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Cesar Leite e Pedro Bocchese escreveram texto interessantíssimo sobre “Inteligência Artificial ao alcance de todos¹”, abordando as diversas conexões dos seres humanos com a IA e destacando a recente popularização do ChatGPT como “a primeira conexão efetiva e funcional da grande maioria das pessoas com IA”.

Pois bem, nessa linha, importante destacar que para a existência de inteligência artificial é necessário um arranjo harmonioso básico de a) dados organizados; b) algoritmos; c) plataforma com capacidade de processamento. Interessante notar que muitos softwares aplicados em nosso dia a dia já necessitam e utilizam esse trinômio sem que esse uso os caracterize como aplicações de inteligência artificial. Mas essa é uma explicação leiga do mínimo que precisamos para compreender quem são os “proprietários” da IA.

Quando falamos de dados organizados temos aí duas proteções específicas possíveis, sem adentrar em outras questões mais amplas: 1) Direito Autoral: além do conteúdo dos dados, caso caracterizem textos/obras originais, a “simples” organização de bases de dados é também protegida como direito autoral pela Lei 9610/98; 2) Segredo de negócio: possuindo ou não proteção por direito autoral, é possível proteger essa base de dados organizada por meios contratuais e tecnológicos para que permaneça sigilosa/secreta, estando devidamente regulada pela Lei 9279/96.

Ao adentrarmos nos algoritmos propriamente ditos, temos também duas formas básicas de proteção na área de propriedade intelectual: 1) Segredo de negócio (já explicado); 2) Quando o algoritmo é utilizado para a solução de um problema técnico em um contexto de descrição de um processo/método inovador ou inserido em um sistema há a possibilidade de proteção pela via das patentes também albergadas pela Lei 9279/96, desde que preenchidos os requisitos de patenteabilidade.

Por fim, quanto às plataformas que viabilizam que os algoritmos em comunicação com os dados organizados gerem um efeito técnico inovador com a rapidez demandada pela lógica da interação dos dois, temos também dois modelos essenciais: 1) patentes (já explicada, mas com aplicação diversa pela essência tecnológica das plataformas); 2) segredo de negócio (já explicado, mas com as adaptações de como manter em sigilo o know-how envolvido em “produtos/processos” que chegam ao mercado e poderão ser suscetíveis de “engenharia reversa” e/ou superação rápida pela curva de aprendizado.

Os claros problemas enfrentados pelas novas (e também pelas nem tão novas) tecnologias estão usualmente relacionados com autoria, titularidade e jurisdição na qual a tecnologia protegida pela propriedade intelectual está sendo disseminada. Como um elemento importante para o diferencial competitivo, a clara identificação e proteção da propriedade intelectual contida nas criações intelectuais envolvendo inteligência artificial fez com que empresas realizassem uma real corrida tecnológica com um aumento de mais de 718% nos pedidos de patente mundiais envolvendo inteligência artificial e mais de 699% de aumento no número de patentes envolvendo tecnologias de Big Data entre 2015 e 2020, de acordo com dados oficiais da Organização Mundial de Propriedade Intelectual – OMPI².

Mas então, de quem é a propriedade intelectual do ChatGPT ou do DALL-E? Dentro das corridas tecnológicas as empresas envolvidas normalmente estão buscando acompanhar as demarcações públicas de propriedade de seus concorrentes no mundo. Pensando na lógica tripartite acima (dados organizados, algoritmos e plataformas) não é difícil imaginar que também a corrida pela apropriação da inteligência artificial não circunde apenas no ocidente, mas também esteja em clara ascensão (e, quem sabe, superação) no oriente, como o exemplo da Huawei desenvolvendo aplicativo similar³ ao ChatGPT.

Ocorre que os sistemas internacionais abertos de propriedade intelectual são relativamente eficientes para identificar publicamente os ativos intangíveis protegidos por patentes, marcas e desenhos industriais. No entanto, não são eficientes o suficiente para identificar ativos de direitos autorais correspondentes a elementos de inteligência artificial, de softwares e, principalmente, não são eficientes para identificar publicamente ativos intangíveis quando relacionados a segredos de negócio (o que o próprio nome traduz a dificuldade de acesso ao seu conteúdo e confere sentido à proteção específica).

A conclusão que chegamos inegavelmente envolve incertezas a respeito do uso da propriedade intelectual como elemento competitivo a potencializar os formatos de negócio dos titulares de tecnologias envolvendo inteligência artificial, assim como os riscos de violação involuntária de direitos de propriedade intelectual alheios por criações não-humanas realizadas utilizando inteligência artificial. Como diria o criador do ChatGPT em recente entrevista para a revista Time⁴: “a inteligência artificial deve ser regulada”.


¹Disponível em https://dynamicmindset.com.br/inteligencia-artificial-ao-alcance-de-todos/

²Disponível em: https://www.wipo.int/wipr/en/2022/#:~:text=The%202022%20edition%20of%20the,prevalence%20of%20digital%20technologies%20of

³Disponível em https://www.huaweicentral.com/huawei-patent-new-chatgpt-like-reply-software/.

⁴Disponível em: https://time.com/6252404/mira-murati-chatgpt-openai-interview/

Os autores dos artigos, vídeos e podcasts assumem inteira responsabilidade pelo conteúdo de sua autoria. A opinião destes não necessariamente expressa a linha editorial e a visão do Instituto Dynamic Mindset.

Milton Lucídio

Advogado a agente da propriedade industrial sócio da Leão Propriedade Intelectual. Mestre (2006) e Doutor (2010) em Direito pela PUCRS. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS (2002). É professor e palestrante convidado em Universidades e Instituições de Ensino Superior brasileiras e estrangeiras na área de propriedade intelectual e inovação. Parecerista e Perito judicial na área de propriedade intelectual desde 2003. Reconhecido como advogado especialista mais admirado na área de propriedade intelectual no Brasil (ao lado de outros seis advogados brasileiros) em 2021 segundo publicação da Revista Análise Advocacia que entrevistou 990 executivos de empresas brasileiras para o estabelecimento do ranking. Autor dos livros “Propriedade Industrial & Constituição: teorias preponderantes e sua interpretação na realidade brasileira” (2007) e “O Sistema Internacional de Patentes” (2004). Possui diversos artigos publicados na área de propriedade intelectual e inovação.

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