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A prisão de Carlos Ghosn no Japão, noticiada no dia 19 de novembro de 2018, nos trouxe grande surpresa no cenário das lideranças mundiais. Um brasileiro de nascimento, com carreira internacional consolidada, conhecido pela sua particular habilidade de recuperar negócios, visão estratégica acima da média, capacidade de negociação e de alinhavar alianças ainda mais improváveis. Todo este arrojo o tornou em um dos executivos mais respeitados e até venerado dentro do cenário atual do mundo empresarial e principalmente na indústria do automóvel.

Fazendo um breve e simplista retrospecto dos fatos:

Nos dias 19 e 20 de novembro o principal ponto noticiado é de que a prisão se deu para a averiguação de uma denúncia por parte da promotoria de Tóquio que acusa Ghosn de fraudar a declaração de renda e usar-se de benefícios corporativos para fins pessoais.

As primeiras notícias relatam que as investigações foram motivadas por denúncias internas, com a colaboração da Nissan.

No decorrer dos dias sites (japantimes.co.jp, ft.com, estadao.com.br entre outros) relatam que as denúncias foram provenientes de múltiplas fontes e os desvios foram apurados pela Comissão de Vigilância de Títulos e Câmbio do Japão em uma inspeção de rotina.

No dia 24 de novembro o site JapanTimes.co.jp relata a primeira versão dos fatos por parte de Greg Kelly, pessoa de confiança de Ghosn, que era diretor da Nissan e que fora detido juntamente no episódio do dia 19 do corrente mês. Segundo fontes do site, Kelly nega que o salário de Ghosn fosse falsamente subnotificado nos relatórios de valores mobiliários da empresa, e afirma que os relatórios de títulos da Nissan foram escritos corretamente.
Feito este breve apanhado de notícias, situações como esta exigem uma múltipla visão, e a melhor associação que me ocorre neste momento é a imagem de um prisma como referência para o contexto. A bela descoberta de Isaac Newton de 1665 e que em 1973 foi tão bem contextualizada como capa do antológico Dark Side of The Moon do Pink Floyd, uma obra onde o sentimento de posse, megalomania, orgulho e tantos jogos são retratados.

Independente da materialidade das provas, se Carlos Ghosn será indiciado ou não pelo sistema judiciário japonês, ou das possíveis reviravoltas que o caso possa vir a ter; o fato é que no momento ele foi destituído das suas funções e conselhos que participava das empresas japonesas, e teve marcas na sua imagem profissional. Assim como em um prisma os raios da luz branca da liderança forte e íntegra que pairavam sobre Carlos Ghosn foram decompostos em vários “raios” cada qual representando uma faceta:

Raio Vermelho – O mundo precisa de líderes, está sedento por pessoas que possam fazer e provocar transformações. Porém, no dia-a-dia, parece-me que as pessoas querem mesmo salvadores e não líderes de fato que questionem as estruturas e façam as pessoas saírem das suas desconfortáveis zonas de conforto. Isto implica que todos que tentam mudar o jogo, em uma primeira ordem, devem ser eliminados.

Raio Laranja – Carlos Ghosn era um profissional renomado, reconhecidamente fazedor de milagres organizacionais (vide a própria recuperação da Nissan), homem vaidoso da sua capacidade, com fervorosos fãs de suas lógicas. Em um determinado momento pode ter se colocado acima do bem e do mal, inclusive do sistema que a tudo vê e a todas as informações pode controlar, e com isto, ter criado espaço para que as fomentadas hipóteses de complô contra sua pessoa fossem organizadas.

Todos, sem exceção, somos cegados pelos nossos pecados capitais em alguns momentos da vida. Um exemplo: as supostas compras de residências para Ghosn foram feitas por uma subsidiária da Nissan no exterior, com sede em Amsterdan, chamada Zi-A Capital. Ghosn tornou-se membro do conselho da Zi-A Capital quando foi estabelecido, mas renunciou no ano seguinte. Kelly, e alguns ex-executivos da Nissan de confiança de Ghosn apareceram na lista de membros do conselho após sua saída. Para uma pessoa de tal posição, todas as movimentações, inclusive a feita pelos seus times, devem ser vistas e calculadas com precisão.

Raio Amarelo – Todo líder necessita de pessoas próximas que sejam de sua mais alta confiança para que possa fazer a sua caminhada em um mundo tão cheio desafios, regras e legalismos. Porém, essas pessoas precisam ser constantemente verificadas, principalmente se estão aderentes ou não a lógica e estratégia vigente do líder.

A medida que o líder cresce, e os negócios por consequência, o risco de ser displicente ou complacente com quem lhe acompanha há tempos por afeto ou confiança excessiva podem ter alto custo. Uma hipótese possível como parte deste quadro atual, é que Carlos Ghosn possa ter desconsiderado dicotomias de pessoas próximas, lembrando que as primeiras matérias falavam em denúncias internas. As denúncias ou pequenas traições são feitas por pessoas próximas que também tem seus interesses e egos, raramente por ilustres desconhecidos.

Raio Verde – O Japão é um país conservador quando se trata de remuneração variável, pagamento por performance etc. Segundo pesquisa conduzida Willis Towers Watson, uma empresa especializada em remuneração executiva, 48% da remuneração do CEO no Japão é derivada do salário base comparado a 28% na França e 10% nos EUA, de acordo com uma análise tendo como referência o ano fiscal de 2017.

Os primeiros confrontos sobre remuneração que Carlos Ghosn teve no Japão datam de 1999, quando solicitou vincular sua remuneração por desempenho, algo comum no ocidente, mas raro entre as empresas tradicionais japonesas na época. Ao longo dos anos Ghosn fez profundas alterações em todo o modelo de remuneração da Nissan, e inclusive no próprio, chegando em 2014 a receber mais de 1 bilhão de ienes, remuneração muito acima de seus pares japoneses.

A remuneração generosa recebida por Ghosn, foi recebida com neutralidade pelo mercado de ações, métrica sempre importante a ser considerada, e provocou efeito de ondas sobre os ganhos de outros executivos do país. Porém, em nenhuma outra empresa os ganhos (ou ações) foram tão concentrados em uma única pessoa, e isto certamente também contribuiu para o tsunami ocorrido.

Raio Azul – Subestimar a retidão, tradição, sutileza, profundidade e até orgulho da cultura japonesa é se colocar em um grande risco. Os japoneses jamais se curvariam a uma empresa francesa que hoje tem menor rentabilidade e poder de mercado que eles. A história de guerra e reconstrução os fizeram aprender com os estrangeiros (lembrem-se de Deming e o Sistema Toyota) e a melhorar o que aprenderam. E mais, valores como: produtividade, empregos para sua população, participação de seus trabalhadores são importantes e não negociáveis para os japoneses.

Raio Anil – O jogo é sempre maior que o jogador. Ninguém é insubstituível a não ser para a sua própria história. E para não se colocar fora da narrativa da história o jogador tem que saber ler as regras vigentes no momento.

Raio Violeta – “Decifra-me ou te devoro” – Tal qual o mito da esfinge de Tebas que devorava a todos que não soubessem a resposta correta do enigma proposto, se o homem não souber encontrar as respostas para os próprios enigmas através do seu contínuo autoconhecimento, será devorado pelas circunstâncias. Para que não sejam eliminados os líderes devem ser coerentes consigo mesmos e com o meio a qual servem.

Ao parar de compreender nuances do jogo em que estava inserido, aliado a sempre presente raiva dos que não fazem e as constantes disputas de poder, a despeito de serem ou não reais as denúncias, Ghosn se colocou vulnerável e passível de ser atingido.

Eclipse, a linda música do Pink Floyd parece ser a trilha sonora perfeita para este contexto:

EclipseEclipse
All that you touch
And all that you see
All that you taste
All you feel
And all that you love
And all that you hate
All you distrust
All you save
And all that you give
And all that you deal
And all that you buy
Beg, borrow or steal
And all you create
And all you destroy
And all that you do
And all that you say
And all that you eat
And everyone you meet
And all that you slight
And everyone you fight
And all that is now
And all that is gone
And all that’s to come
And everything under the sun is in tune
But the sun is eclipsed by the moon
(There is no dark side of the moon, really
Matter of fact it’s all dark)
Tudo o que você toca
E tudo o ue você vê
Tudo o que você prova
Tudo o que você sente
E tudo o que você ama
E tudo o que você odeia
Tudo o que você desconfia
Tudo o que você salva
E tudo o que você dá
E tudo o que você negocia
E tudo o que você compra
Implora, pega emprestado ou rouba
E tudo o que você cria
E tudo o que você destrói
E tudo o que você faz
E tudo o que você diz
E tudo o que você come
E todos que você conhece
E tudo o que você desconsidera
E todos com quem você briga
E tudo o que é agora
E tudo o que já passou
E tudo que virá
E tudo sob o Sol, está em perfeita sintonia
Mas o Sol esta coberto pela Lua
(Não há um lado escuro na Lua, na realidade
Na verdade ela é toda negra)

Composição: Roger Waters, Pink Floyd

Em um mundo disruptivo construir e sustentar uma história vencedora é um desafio muito maior do que em tempo anteriores. Exige trocar soberba pela humildade, avareza pela generosidade, luxúria pela castidade (do latim castus = amor puro), inveja pela caridade (do latim caritas= afeto/amor e proveniente de carus = caro/querido), gula pela temperança, ira pela paciência ou resiliência e preguiça pela diligência.

Descem as cortinas, o espetáculo parece ter terminado mas o jogo continua…quem será o próximo?
Os autores dos artigos, vídeos e podcasts assumem inteira responsabilidade pelo conteúdo de sua autoria. A opinião destes não necessariamente expressa a linha editorial e a visão do Instituto Dynamic Mindset.

Leandra Zamboni

Psicóloga, empresária, mentora de líderes com foco no desenvolvimento dos potenciais humano, profissional com mais de 25 anos de mercado, cujo propósito é trabalhar com pessoas para que se tornem protagonistas de sua própria existência, inovem nas suas ações e transformem o meio em que vivem. Minhas premissas de atuação são: Pessoas como base e foco, tecnologia como meio, crescimento integral, sistêmico e sustentável como visão. A experiência de ser empreendedora, consultora e executiva em organizações de tecnologia e de desenvolvimento humano, me proporcionaram a expertise em temas como: Inteligência emocional, empresas orientadas à valores, liderança integral, mentoria executiva e de business, mentalidade antifrágil, aprendizagem e transformação sistêmica e existencial. Co-fundadora da Esplendor - Plataforma de desenvolvimento humano e organizacional; articulista no Dynamic Mindset. Especialização em Gestão de Negócios (FDC), Especialização em Gestão da Informação e Documentação (UFSC), Especialização em Psicologia da Liderança (UESP – São Petersburgo/Rússia), Psicóloga (UFSC). Alguns cursos e formações: Ulab: Leading From the Emerging Future (MITx); Triple International Certification in Mentoring (Global Mentoring Group), CTT Certified Consultant (Barrett Values Centre), Formação em Logoterapia (Instituto de Psicologia e Logoterapia), Neurociência Aplicada ao Coaching , Consciência Sistêmica, Psicossomática e Analise fisiognomica e corporal, Coaching Professional

Um comentário

  • Osvaldo Kawakami disse:

    Um executivo no estrangeiro, ou chamado expatriado, recebem acessórias de escritórios locais especializados para a sua declaração de imposto de renda local. Normalmente estas empresas que preenche e entrega a declaração anual de ajuste do imposto de renda.
    Eh estranho. Que neste processo acusatório não apresente a empresa, talvez neste caso tenha sido a própria administração da Nissan, neste caso deveria ter alguma documentação dos consultores no processo dizendo que não aconselhava desta ou daquela forma, e considerando a hierarquia das empresas japonesas uma ordem do então todo poderoso, mandando fazer da forma ilícita!

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