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Nietzsche, um dos grandes filósofos do século 19, foi quem introduziu o conceito de ressentido. Disse ser ressentido aquele indivíduo que acredita que: se eu sofro, alguém deve ser o culpado pelo meu sofrimento. Descreveu como uma vingança adiada, revolta passiva. Aí se encontra a fonte eterna do ressentimento.

A palavra ressentimento derivada do verbo ressentir, que quer dizer “voltar a sentir”, “ofender-se”, “magoar-se”. O sujeito de quem se diz ser um ressentido é aquele que não agiu, que engoliu, que não superou e cultiva uma mágoa, uma amargura e um rancor diante de algo que lhe ofendeu. Seu maior desejo será a vingança.

Alguém poderia perguntar: por que o ressentido não reagiu no passado quando se sentiu enganado, traído, preferindo acalentar esse desejo de vingança passivo? Penso que se colocar de vítima tenha um sentido inconsciente de que a vida e as pessoas ficarão para sempre em dívida com ele. Passaria a ser um eterno credor de cuidados, atenções, afetos. É como se fosse um salvo conduto para não se responsabilizar e cuidar do curso de sua vida. Que competência que podemos ter em fazer a vida infeliz!

O ressentido tem dificuldade de expressar as suas raivas, suas chateações, que ficaram lá atrás, depositadas em alguém que ele sempre traz à mente, porque jamais conseguirá esquecer. Observe o grau de comprometimento: a pessoa não esquece. Percebam a importância de esquecer aquelas coisas ruins que nos aconteceram. Seria o equivalente a passar um antivírus no computador. Também faz sentido esquecer as coisas boas que ocorreram na vida. Mas por que esquecer as boas? Para que possamos buscar outras coisas boas e não ficarmos presos e rememorando o passado. Aquela namorada foi a melhor que tive, não vou achar outra igual! Aquele emprego…aquela viagem…

A vida é difícil – perdas, sofrimentos, separações, envelhecimento, morte etc. Não é possível esquecermos e superarmos todas as mazelas, mas se ficarmos aprisionados às perdas e sofrimentos, nos faltará energia para continuarmos dando sentido à vida.

Porém, o ressentido também pode ter uma outra característica que chamo de comportamento passivo-agressivo. Observe o que estou colocando aqui: a agressividade pode ter um viés passivo. A pessoa pode, com sua passividade, com aparente submetimento, esconder toda agressividade que nutre em relação ao outro, e ficar no papel de “bonzinho, do coitadinho”. A pessoa se sente subjugada ou desqualificada e não mostra chateação, mas inconscientemente buscará dar o troco. No ambiente profissional temos que prestar atenção ao submetimento e a passividade. Exemplos de algumas situações que podem indicar conduta passivo-agressiva. Diante de um aborrecimento ou uma recusa do outro a pessoa pode, inconscientemente, desenvolver dor de cabeça, ficar indisposta, esquecer uma tarefa importante e não levar adiante um combinado. Mostrar raiva pode ser temeroso e assustador para alguns, nestes casos a raiva e a vingança podem se dar de uma forma sub-reptícia ou inconsciente, através da agressividade passiva. A passividade agressiva irá criar um ambiente psíquico doentio, caldo de cultura para o ressentimento. Lideranças saudáveis e seguras deveriam estimular os colaboradores a deixarem transparecer suas chateações e irritações.

O ressentido é fabricante de culpa, ninguém o supera, a vida teria sido madrasta para ele e, desta forma, ficará aprisionado ao passado e, competentemente, liquidando o futuro. Como poderá usufruir de relações afetivas e amorosas? Olha para todos que se aproximam como os que novamente irão lhe frustrar. Penso que o ressentimento pode ser o substrato para algumas doenças psicossomáticas.

O ressentimento pode levar a pessoa a não interagir, a se abater, trabalhar mal, manter uma raiva constante. Então, diria eu para o ressentido, que talvez seja salutar “chutar o pau da barraca”, não no sentido de sair batendo nas pessoas, mas no sentido de verbalizar as suas magoas e as suas chateações. Isso fará bem para a psique. Quem vai à luta, não se ressente. Se alguém age de uma forma que não aceitamos e rompemos com esta pessoa para sempre, isso não é ressentimento, é atitude, ação, atividade. Ao contrário, caso a pessoa comprometa a evolução de sua vida em decorrência de algo que a fez ficar muito raivosa, tornar-se-á uma ressentida. Caso o namorado traia a namorada e esta passe o resto da vida nutrindo raiva em relação a ele e a todos os homens, estaremos diante de um ressentido.

OK, existem perdas não superadas, e, nesses casos, a pessoa corre o risco de ficar enlutada e deprimida, o que é diferente de ser ou de se tornar um ressentido. Elaborar as perdas, traições e reveses da vida é um antídoto ao ressentimento.

Para o filósofo Espinosa que viveu no século XVII, o ressentimento poderia ser entendido como uma paixão, sendo enquadrado num grupo que chama de “paixões tristes”. Interessante que a origem da palavra paixão é a mesma da palavra grega “páthos”, de onde se origina a expressão patologia ou doença. Espinosa revoluciona o pensamento filosófico e troca a ideia de paixões boas ou más para paixões tristes e alegres. O ressentido está inundado por paixões tristes, o que tira sua potência de agir. Fatalmente esta pessoa terá uma vida comprometida!

Ter no ambiente de trabalho um serviço de suporte psíquico, algo como um encontro quinzenal ou mensal, em grupo, onde se possa conversar livremente sobre as dificuldades relacionais ou chateações decorrentes dos desencontros, vitaminará a psique e o desempenho dos participantes. Os que puderem conversar com um psicoterapeuta sobre suas amarguras certamente também terão melhor relação consigo e com seus pares. O sentir, pensar, refletir e falar são redentores de sofrimentos emocionais.

Os autores dos artigos, vídeos e podcasts assumem inteira responsabilidade pelo conteúdo de sua autoria. A opinião destes não necessariamente expressa a linha editorial e a visão do Instituto Dynamic Mindset.

Nelio Tombini

Médico psiquiatra, CRM/RS 5440, psicoterapeuta, palestrante e autor do livro A Arte de Ser Infeliz - Desarmando as armadilhas emocionais.

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