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Uma análise sobre a atração de investimentos em pequenos e médios centros.

O texto é um exercício de imaginação sociológica, aplicado à área da ciência e tecnologia. A ideia do texto é demonstrar que no macro cenário econômico diversas cidades do interior do país possuem condições de atração de grandes investimentos em ciência e tecnologia. A cidade de Santa Maria será o modelo estudado como exemplo. Essa foi a primeira cidade do interior do Brasil a receber uma universidade federal, façanha que hoje pode ser comparada a instalação de uma grande empresa de tecnologia.

Os conceitos do sociólogo norte-americano Charles Wright Mills são os fios condutores do texto. A metodologia de Mills busca replicar o trabalho de um artesão que organiza suas ferramentas e insumos, dados e evidências, para dar início a um plano que possa mudar a realidade, em nosso caso a realidade é a estrutura econômica de uma região.

A imaginação sociológica consiste em ver a relação entre as estruturas sociais e os fatos cotidianos, é a oscilação entre o macro e o micro. Busca entender como os grandes fenômenos sociais estão interconectados com a realidade cotidiana. Mills coloca que quase sempre as grandes ideias se apresentam primeiramente como imagens e noções vagas, que com o tempo vão se materializando.

O texto está dividido em quatro partes. Na primeira parte, a seguir, é apresentado o macro contexto da economia mundial em 2024 a partir da revista The Economist, nele é descrito a corrida dos países em desenvolvimento para atrair as empresas de tecnologia. A segunda parte analisa hipoteticamente como seria o primeiro olhar de um CEO de uma Big Tech, por exemplo a Amazon, em busca de um local para sua nova unidade. Na terceira parte são apresentados entraves para a atração de empresas de tecnologia no interior do país. Em seguida, na quarta parte, são mencionados alguns atrativos da cidade de Santa Maria – RS.

1- O macro contexto da economia mundial.

Segundo a revista The Economist (13/01/24), a economia mundial está prestes a sofrer uma segunda onda de desindustrialização provocada pela China. Desta vez, os novos produtos chineses têm alto valor agregado e concorrem com os maiores fabricantes mundiais. A expectativa dos analistas é de que a segunda invasão de produtos chineses possa desestabilizar economias tradicionais como a da Alemanha.

Por isso, todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento se organizam para atrair a nova indústria tecnológica de carros e baterias elétricas. A lista de indústrias desejadas incluiu também as de produção de chips, Inteligência Artificial e equipamentos aeroespaciais. Entre os principais movimentos dessa disputa está a atração de cérebros, criação de centros de pesquisa e subsídios governamentais.

The Economist – Capa 13/01/2024

2- O olhar do CEO de uma Big Tech para o país.

Voltando à questão da atração de empresas de tecnologia em municípios do interior, para iniciar nosso exercício, vamos imaginar hipoteticamente como um CEO e sua assessoria podem ver o Brasil com a seguinte questão: Quando um executivo de uma Big Tech em Seattle olha pra cá, o que ele enxerga?

Primeiro, o Brasil e São Paulo, uma das dez maiores economias mundiais, democracia estável, normas modernas com bons acordos internacionais e a capital econômica. Em seguida, como em outros continentes, ele buscará um local para se instalar que apresente custos baixos, incentivos altos e tenha seus principais insumos: conhecimento, energia e acesso aos principais mercados.

Nesse sentido, qualquer local no país que tenha incentivos, energia farta, mão de obra qualificada e que tenha proximidade com os principais mercados está na disputa para atrair uma grande empresa de tecnologia. Noutra mão, a maior parte dos municípios não consegue reunir todas as qualidades exigidas devido a alguns entraves que serão examinados a seguir.

3- Principais entraves para atração de grandes empresas de tecnologia.

Algumas questões sociais devem ser percebidas como um objetivo comum, para além das divisões partidárias, religiosas etc. Uma delas é a ciência e tecnologia. O maior entrave para a atração de grandes empresas de tecnologia é superar as dificuldades da articulação entre governos, setor produtivo e a academia científica. A orquestração dos interesses políticos ligados à pesquisa e produção são barreiras para a atração de investimento internacional.

No contexto de interiorização de fábricas e centros de tecnologia as cidades do interior enfrentam dificuldades para atrair essas empresas pela falta de uma economia diversificada, mão de obra especializada, pesquisa de ponta e talentos na área. No entanto, há diversas cidades que contam com notáveis qualidades, este é o caso da cidade de Santa Maria, localizada no centro do Rio Grande do Sul.

4- Esboço sobre os atrativos de Santa Maria – RS para a indústria de tecnologia.

Projetos audazes não são novidade na cidade. Em 1960 foi fundada ali a primeira universidade federal fora das capitais. Hoje, a Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, possui aproximadamente 30 mil alunos, mais de dois mil docentes divididos em 266 cursos. Além do mais, a cidade possui outras instituições de ensino privadas e o número total de alunos universitários se aproxima dos 50 mil.

A importância de uma universidade federal para atração de empresas de tecnologia se deve ao fato de que o ambiente de pesquisa acadêmica permite intercâmbios e transferência de tecnologia com universidades de todos os continentes. E no Brasil a pesquisa é muito dependente das universidades federais. A questão que se coloca não é o treinamento da mão de obra, mas sim, a pesquisa de ponta na área da ciência e tecnologia. No país, não existem muitas cidades do interior que possuem uma federal.

Em termos populacionais, Santa Maria ocupa a 103° posição no Brasil, com 272 mil habitantes. Em termos geográficos está equidistante dos mercados de Buenos Aires e São Paulo. Sob o ponto de vista logístico, conta com o porto de Rio Grande, no sul do Estado, malha ferroviária, aeroporto e é um entroncamento rodoviário. Também, sob ponto de vista energético, tem a garantia de uma reserva de carvão mineral em Candiota, município próximo, e a região é propícia para produção de energia de fontes renováveis.

Além disso, a cidade possui uma economia diversificada com forte presença de serviços e da produção da agricultura familiar. A região central do Rio Grande do Sul sempre foi destaque nacional na agropecuária e é no setor rural onde melhor se percebe a conexão entre o conhecimento produzido na academia e a produção local. Todas essas características são percebidas no cotidiano da cidade e em escala individual, é quando uma pessoa opta por aproveitar essas condições para desenvolver seus planos de vida.

Entretanto, os primeiros a perceberem estas vantagens estratégicas não são os grandes CEOs, mas os jovens talentos que chegam de todos os cantos do Brasil, ao escolherem a cidade como ponto inicial para um plano que poderá se concretizar em 20 anos de esforços, quando, por exemplo, aquele jovem estiver escrevendo códigos em Porto Alegre, São Paulo ou Londres, ou seja, tendo se apropriado da efervescência da cidade que já é atrativa para os talentos futuros.

Na escala micro, em que os interesses individuais estão em análise, os jovens talentos da STEM – Science, Technology, Engineering, and Mathematics – buscam nos cursos da federal de Santa Maria o apoio para desenvolverem novas potencialidades. E nessa escala e sob esse aspecto, o número de cidades brasileiras com capacidade de atração de jovens talentos se reduz consideravelmente.

Voltando ao macro cenário.

O Brasil é um país incontornável para qualquer empresa com ambições mundiais. Por isso, acredito que devemos nos preocupar com a questão da atração de investimento em ciência e tecnologia também em cidades do interior do país, como está aqui evidenciada, isso é importante para o pleno desenvolvimento do país. Além do mais, esse foi um exercício bem intencionado, com olhar positivo que busca um novo ranking das nossas cidades. A ideia é criar um novo mindset sobre o crescimento exógeno, uma visão mais otimista e esperançosa das potencialidades das cidades do interior do país.

Fontes consultadas:
IBGE. Site: https://www.ibge.gov.br
MILLS, C. Wrigth. A imaginação sociológica. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1980.
The Economist. Site: https://www.economist.com/weeklyedition/2024-01-13

Os autores dos artigos, vídeos e podcasts assumem inteira responsabilidade pelo conteúdo de sua autoria. A opinião destes não necessariamente expressa a linha editorial e a visão do Instituto Dynamic Mindset.

Marcelo Rubin de Lima

Natural de Santa Maria, é Doutor em Sociologia pela UFRGS, com doutorado sanduíche na Universidade Livre de Bruxelas, ULB, período em que trabalhou como pesquisador no Centro de Direito Público. Entre 1994 e 2013 foi Diretor da Parla Comunicação em Porto Alegre, agência em que coordenou diversas campanhas publicitárias para empresas e governos. Atualmente é Diretor na Politix Estratégia Política.

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