Em 1818, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer no seu livro “O mundo como Vontade e Representação”, descreve “Vontade” como a essência interna da realidade; o que é em si mesmo, independente da observação. “Representação” era a aparência da realidade, a aparência exterior do mundo tal como se apresenta à observação consciente.
Schopenhauer acreditava que a representação é como a vontade se apresenta à observação. A representação se “tornará visível” através de nossa consciência. A representação sem vontade seria “como um sonho vazio ou uma visão fantasmagórica que não merece nossa consideração”.
Para Schopenhauer, o mundo físico só existe como imagens mentais na consciência de um observador. Ele sabia que por trás do mundo material observado havia um mundo dentro de si “completamente e fundamentalmente diferente”. Antes da dualidade onda-parte, o princípio da incerteza e o colapso da função de onda introduzidos por Einstein e Heisenberg, Schopenhauer de alguma forma entendeu que sem um observador consciente, a realidade existe em um estado indeterminado de ondas de probabilidade.
John Wheeler, um pioneiro da fissão nuclear e dos buracos negros, disse: “O universo dá à luz a consciência, e a consciência dá sentido ao universo”; “Nenhum fenômeno é um fenômeno real até que seja um fenômeno observado.” Wheeler acreditava em um “universo participativo”, o que sugere, com base na mecânica quântica, que o universo, como condição de sua existência, deve ser observado.
Para Schopenhauer, o espaço-tempo é um andaime cognitivo interno inerente à consciência no qual a percepção sensorial é projetada como imagens mentais. Sem a vontade de Schopenhauer, a representação consciente da realidade cessaria. Seus pensamentos sobre ser, saber, identidade, tempo e espaço inadvertidamente se tornaram a base sobre a qual a compreensão mecânica quântica da realidade foi construída.
Olhe ao seu redor, você é o observador consciente participando da realidade. Para você, nada existe sem você ou fora de você.
Porém, como é modificado o andaime cognitivo quando a consciência extrapola o indivíduo e é influenciada pelo tensor coletivo? Qual é o poder, hoje em dia, da tecnologia e manipulação em massa para tais fins?
No mês de março de 2023, num evento no mosteiro de Sua Santidade o Dalai Lama na Índia, uma criança se aproximou do Lama para pedir um abraço. Na cultura tibetana, quando uma criança pede uma coisa a um adulto, se tem como costume não dar automaticamente o solicitado. Para que a criança compreenda que não é só pedir, mas que tem que ter algum mérito para conseguir. Mas a brincadeira inclui comer a língua do adulto, que, sendo impossível, a criança entende que não é tudo simples assim. A palavra em tibetano que significa “comer” é “sah”. Ao ouvir a palavra “sah”, bem pode ser interpretada ou ouvida a palavra “suck”, significando “chupa” em inglês. Logo depois de entender a brincadeira, a criança fica muito feliz ao ganhar o abraço e receber as indicações que seja boa pessoa, e tal do Dalai Lama. Tudo isto pode ser entendido assistindo o vídeo completo do evento aqui.
No mês de abril do mesmo ano, semanas depois do evento, o vídeo é editado e viralizado indicando que teria sido solicitado que chupe a língua. Na frente de dezenas de pessoas, num evento ao vivo, uma pessoa dedicada por décadas à divulgação da paz e felicidade.
O vídeo efetivamente viralizou, e o andaime cognitivo coletivo viu-se afetado brutalmente. Sabemos bem como funciona, já que temos muitos exemplos na política moderna.
Utilizo este exemplo por dois motivos. Primeiramente porque é próximo da filosofia de vida que eu mesma pratico no dia a dia, e porque não afeta o viés político dos leitores deste texto.
Voltemos a Schopenhauer e seu entendimento de vontade e representação, num episódio que em aparência não teria conotação política (mesmo tendo, e muita). Lembrando, a representação é como a vontade se apresenta à observação. Ou seja, se a vontade é a essência interna da realidade e a representação depende da observação, vemos aqui um vínculo forte entre a consciência do indivíduo ou o coletivo, que filtra indefectivelmente a realidade. Transformando a realidade em si, a partir de gatilhos que o criador da realidade fictícia, acredita o forte suficiente para explodir emoções negativas que espantam qualquer possibilidade de olhar a situação com outra visão.
A manipulação da realidade vai muito além e profundamente de simples fake news verificáveis. Chegando ao ponto de ter que nos perguntar se estamos na hora de criar as realidades que queiramos acreditar.