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Polarização é uma das palavras do momento. As análises políticas correntes a citam como sintomática patologia das democracias contemporâneas, marcadas pelo levantar de extremos que, por arrogância ou intransigência, impossibilitam diálogos necessários e o consequente estabelecimento de consensos mínimos. Entre polos radicais, o debate público se transforma em uma arena de irracionalidades estúpidas e, não, no ambiente natural de composição de diferenças através do exercício dialético consciente e integrador.

Sim, não há dúvida de que vivemos tempos exaltados. Nesse contexto febril, o radicalismo burro e inconsequente é, por muitos, festejado como valentia e coragem; no redemoinho de gritos e ameaças histriônicas, o mérito da prudência e da moderação acabou transformado em covardia e omissão; sem espaço para o pensar, os sábios se calam, enquanto sabichões se repetem. Em ambiente de hostilidade polar, a grande maioria silenciosa fica ainda mais silente, atordoada pelo entrechoque político tacanho e agressivo que apenas leva o nada a lugar nenhum.

Mas será a polarização um problema em si ou mero efeito de algo maior? Se as forças políticas antagônicas fossem altas e modelares, viabilizando um debate de ideias franco e enriquecedor à sociedade, não estaria realizado satisfatoriamente o preceito democrático? Aliás, uma estrutura política dual não terá melhor organicidade do que um sistema partidário difuso e confuso?

Ora, a democracia americana é historicamente polarizada entre republicanos e democratas; no Uruguai, os partidos Blanco e Colorado são instituições centenárias; no Brasil recente, tivemos mais de duas décadas de polarização entre PSDB e PT (entre inúmeros partidos satélites de ocasião). Portanto, a questão não está na presença de polos políticos determinados, mas na ausência de capacidade argumentativa crítica e inteligente, apta a formar maiorias políticas mediante exposição racional e pedagógica de temas de interesse coletivo. E, como a racionalidade é, regra geral, difícil e pouco atrativa, o negócio da política investe cada vez mais em populistas, celebridades e chefes de torcidas que, mesmo sem saberem fazer contas, servem para a matemática das urnas.

O surgimento das redes sociais – com suas lógicas de imagem e informação instantâneas – criou dificuldades adicionais. No fluxo de informações desencontradas, a busca da verdade foi substituída pelo “trending topic”, criando uma indústria universal de manchetes panfletárias e palpites científicos. No vai e vem frenético das redes, entre algoritmos perfeitos, temos uma milimétrica desinformação coletiva; quando a razão crítica exige um tempo para a consciência dos fatos, é simplesmente patrolada pelo próximo “trending topic” e sua máquina furiosa que transforma ignorância social em poderoso método de dominação política. Aqui, uma pergunta que não quer calar: ao captar o tempo e atenção de bilhões de usuários mundo afora, não serão as redes uma forma de escravidão digital? Por tudo, a polarização atual é apenas face exposta de um cancro infinitamente mais grave: o silencioso e gradual aprisionamento da liberdade humana. E, como não mais conseguimos conversar entre iguais, os riscos de retrocesso vão além da democracia política, atingindo o âmago da civilização e a paz entre os povos.

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Sebastião Ventura

Advogado, especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande Sul. Ver perfil completo >>