Indo outro dia ao centro de Porto Alegre, passei por uma avenida cujo nome, em respeito aos moradores, não vou enunciar. Apenas o sol de verão e os pedestres suprimiam do cenário o aspecto de abrigo de zumbis. Restolhos da economia que a gente iria ver depois, as portas do comércio fechado pareciam mordaças e gritavam em silêncio. Deprimente sequência de prédios recobertos por esse destilado da miséria cultural do país, que são os pichadores, tornava o cenário ainda mais desolador.
Poderia ir a outras partes da cidade e veria não serem muitas as que escapam à sanha destrutiva desses habitantes da noite, tratados de modo condescendente pela legislação e pelas autoridades. Tudo se passa e se repete como se o que fazem não constituísse grave lesão ao patrimônio privado e público e não agredisse a população inteira da cidade.
Enquanto percorria aqueles sucessivos quarteirões até chegar ao centro, lembrava-me da Serra Gaúcha, de seu charme e do diálogo que travei, há muitos anos, com uma senhora moradora de Nova Petrópolis. Perguntei a ela como se explicava o fato de todos os jardins das casas estarem primorosamente cuidados, conferindo às ruas e à cidade aquele visual florido e atraente. Ela me respondeu:
“Quando a xente passa por um chardin mal cuidado, diz pra dona: ‘A senhora é pem relaxada, non?’”.
Lembrei-me, também, de Garmisch-Partenkirchen, na Baviera, destacada atração turística por seus prédios cuidadosamente decorados com elaboradas pinturas que refletem a cultura regional.
Em menos de um mês, Porto Alegre completa 250 anos de fundação. A cidade tem uma história, mas quantos a conhecem? Ninguém ama nem zela por aquilo que não conhece! O zelo e a preservação resultam da valorização da História e do patrimônio natural, de uma Educação que leve ao amor e não ao ódio, à construção e não à destruição. Ambos são beneficiados, também, pelo amor próprio, desenvolvido como elemento indispensável à promoção humana.
Nada disso, contudo, é incompatível com a punição dos maníacos da latinha de tinta spray. A prefeitura se esforça por embelezar a cidade, mas pouco pode contra estes inimigos da beleza, que talvez não saibam quase nada de coisa alguma, mas sabem que não devem fazer o que fazem com ela.
Em escala reduzida, a beleza que salvará o mundo, segundo nos ensina Dostoiewsky, também salvará a cidade. Quem a enfeia a condena.