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A racionalidade faz criar uma ilusória sensação de controle sobre a dinâmica dos acontecimentos. Acontece que basta um evento aleatório, absolutamente inesperado, para abalar o sistema posto e exigir uma série de atitudes e adaptações frente a mudanças estruturais irreversíveis. E o mais paradoxal:  você pode estar fazendo tudo certo, mas, quando os fatos mudam, aquilo que certo estava pode ter se transformado em erro.

Vamos ao caso da Starbucks: uma empresa bacana – com um management super competente, uma comunicação de mercado atenta e proativa – que acabou duramente atingida pela tragédia do Covid-19. Ironicamente, a estratégia da companhia estava em rota vencedora, com sua cultura de cafeteria ‘as third place’ absolutamente consolidada na sociedade americana. Todavia, a chegada do meteoro do coronavírus forçou uma urgente adaptação do business às mudanças imediatas, bem como diante das perspectivas de futuro.

Sem pestanejar, a empresa começou a replanejar o modelo e, em especial, seus pontos de venda: algumas lojas serão fechadas, outras remodeladas e novas, com um dirigido viés take-and-go, serão abertas, privilegiando rapidez de entrega e serviços virados para a rua e, não, para dentro das lojas. Aí vem a pergunta de mais de U$1.000.000,00: não será a mudança precipitada ou muito radical?

Ora, sem sombra de dúvidas, ainda é cedo para avaliarmos o grau de profundidade das mudanças comportamentais e dos padrões de consumo a serem estabelecidos pós-Covid19. O desafiador é que precisamos agir na zona de incerteza, pois a inércia pode representar o fim de um negócio até então rentável.

Aqui, os problemas ganham densidade e amplitude. Afinal, a rápida adaptação a mudanças ou a rupturas inesperadas nem sempre é fácil; podemos cometer o erro de menosprezar os fatos ou nos julgarmos capazes, quando objetivamente superados pela dinâmica da vida. E, infelizmente, no somar de equívocos, o passivo pode explodir e as contas ficarem insustentáveis.

Teremos dias difíceis à frente. Na economia tecnológica, a velocidade dos ciclos negociais será infinitamente mais ágil; muitos negócios irão à lua e cairão por terra num piscar de olhos. A concorrência será frenética e, em muitos casos, frontalmente global, com players de diferentes latitudes, cada vez mais adaptados ao home-office e outras facilidades de mobilidade. Isso sem contar que muitos negócios serão 24 x 7, com colaboradores de distintos fusos horários em ritmo ininterrupto.

Moral da história: ao invés de uma única onda larga, surfaremos muitas (pequenas, médias e grandes) daqui pra frente; teremos que ter fôlego para ir até a beira da praia e vencermos a arrebentação diversas vezes; há que se ter a sorte da maré a nosso favor e, quando não estiver, temos que ser capazes de navegar para mares favoráveis, de forma prática e sem altos custos de transição. Nos dias em que o mar estiver flat, temos que ter condições de ficar sentados na prancha, com provisões de caixa para eventos inesperados – que serão recorrentes – com seus difíceis processos de adaptação.

Ou seja, numa ótica negocial vencedora, não há mais estabilidade estática; o estável virou dinâmico, tal como o andar da bicicleta que faz do movimento o seu ponto de equilíbrio.

Nesse contexto transformador, as organizações de sucesso serão aquelas governadas por lógicas fluídas, polivalentes e responsivas a mudanças radicais. Tais organizações, por sua genética plural, repudiam líderes personalistas que, pela vulnerabilidade da onipotência ou pelo egocentrismo exacerbado, acabam por matar ímpeto criativo e participativo do time, fragilizando a força da ação coletiva em favor de um vulgar e passageiro brilho individual.

Definitivamente, ao invés de vistosas autoridades hierárquicas, precisamos de uma liderança empática, que olhe a si e a todos como iguais, que saiba ouvir, que saiba ponderar, que se permita ser confrontado por ideias originais, que reveja convicções equivocadas, que aceite e adote concepções inovadoras, que reconheça e forme novos líderes para os insondáveis desafios do futuro e que, nos momentos de definição, saiba dar concisão ao universo das possibilidades na melhor decisão circunstancial possível. E, caso as circunstâncias mudem, que não tema surfar a onda da mudança, levando a organização para praias desconhecidas, realçando o farol da liderança: sinais de luz para as embarcações navegarem com segurança referencial e, não, para iluminar a si próprio.

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Sebastião Ventura

Advogado, especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande Sul. Ver perfil completo >>