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Por mais que adiemos ou finjamos que não é conosco, a vida – seja em questões pessoais ou profissionais – apresentará momentos de definição. São situações especiais em nossa caminhada existencial que determinam muito do que seremos, o que teremos e como viveremos. Embora projetadas ao futuro, tais escolhas retratam o que somos no presente e, quanto mais autêntico formos perante nós, mais próximos estaremos daquilo que nos é fundamental.

O difícil é que tais decisões são tomadas inescapavelmente sob o véu da incerteza. E o mais paradoxal: a racionalidade pode ser uma forma de paralisia na ânsia de querer controlar o incontrolável. Ora, nem mesmo a mais alta inteligência humana é capaz de compreender toda integralidade complexa do viver. A razão pode muito, mas não pode tudo. Números explicam muito, mas o amor, por exemplo, se ergue sobre insondáveis equações do sentimento que emudecem a palavra, ganhando exata eloquência naquele olhar que se faz compreender.

A emoção faz o impulso; a razão balanceia o ímpeto desmedido. A impulsividade acelera; a racionalidade freia. Entre o sim e não, a possibilidade faz a vida. Uma possibilidade de muitas cores e tons que só serão conhecidos a depender da intensidade da luz e da paisagem circunstancial do destino. O benefício da dúvida é que, não raro, a vivência pulsante é muito melhor que o planejamento abstrato. A questão nodal é vencer o medo da incerteza.

Em palestra seminal de 1963, a inteligência experimentada de Henry Kissinger – que se pôs à prova em inúmeras situações de dificuldade extrema –, bem pontuou que o processo de decisão “requer capacidade de projetar além do conhecido. E quando se está no reino do novo, chega-se ao dilema de que há realmente muito pouco para guiar o policymaker, exceto as convicções que ele traz consigo”; indo adiante, externou que a busca de provas demonstráveis pode fazer do estadista mero “prisioneiro dos eventos”.

Nos caminhos do possível, a liderança requer o exercício do ato moral de decidir entre névoas de incompletude que se dissiparão por gestos de pensamento crítico, intuição, acertos e fracassos. No dizer de Kissinger, “lidar com problemas de tamanha ambiguidade pressupõe, acima de tudo, um ato moral: a disposição de correr riscos por conhecimentos parciais e uma aplicação menos perfeita dos próprios princípios”, sendo o absolutismo das certezas uma “receita para a inação”. E quem quer realmente protagonizar não aceita o papel de mero refém das circunstâncias.

Logo, em situações de incerteza, o problema não está no erro. Na verdade, o erro é uma possibilidade da incerteza; ou melhor, a incerteza torna o erro um resultado potencialmente previsível. A grande diferença, nessas situações limite, está na velocidade de reação face a resultados adversos. Alguns insistem demasiadamente em opções desfavoráveis na religiosa expectativa de que o amanhã seja diferente do hoje; outros simplesmente temem o rótulo do fracasso, insistindo contra a realidade dos resultados postos; há ainda os escravos da vaidade que jamais admitem o fato de estarem errados; também existem os que, por motivos diversos, acertaram nos primeiros passos, não criando o casco de sustentação para revezes inesperados. Enfim, a lista dos vícios autopunitivos é longa e numerosa.

Mas também há aqueles que fazem um approach cadenciado e maleável, pois cientes da falibilidade humana. Pessoas que exercem a liderança olhando nos olhos e com palavras sinceras; que sabem construir times capazes com riqueza de formação técnica e pessoal; que criam um ambiente favorável a questionamentos e dúvidas, lapidando conjuntamente o processo das respostas; que sabem ouvir e refletir criticamente; que possuem timing de reação a adversidades sem gestos prematuros;  e que, na hora do pênalti em final de Copa do Mundo, não deixam a adrenalina destruir a preparação mental, assumindo a responsabilidade de decidir o evento crucial. Ao assim procederem, fazem da decisão sobre a incerteza um momento de passagem que, sim, pode levar a experiências amargas de curto prazo, as quais suportadas e metabolizadas vão formando a fibra moral do comportamento vencedor.

Vencer, portanto, é aceitar, reconhecer e triunfar sobre o erro, fazendo da incerteza antecedente – que lhe é latente – o pressuposto necessário para jogos cada vez maiores. Do contrário, a vida seria muito sem graça com suas pululantes certezas banais. 

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Sebastião Ventura

Advogado, especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande Sul. Ver perfil completo >>