A qualidade que pertença ao todo de uma empresa ou organização se faz da qualidade das pessoas que a compõem; em nenhuma organização humana haverá qualidade que não esteja fundada na qualificação de seus membros, em todos os seus níveis. Eureka! A moderna administração descobriu, na porta do estabelecimento e na gaveta do caixa, o valor da pessoa humana.
A busca da qualidade pode ser percebida em toda parte. Não há outra explicação para a corrida aos cursos de especialização e o grande número de trabalhadores que enfrentam, à noite, longas jornadas de estudo. Na mesma linha, os cuidados com a alimentação, o êxito comercial das academias de ginástica, a prosperidade dos cirurgiões plásticos e o sucesso de qualquer produto anunciado como capaz de devolver o topete aos calvos. Todos querendo “fazer o melhor” de si mesmos.
Ora, esse extraordinário empenho coletivo por “qualidade” e “excelência” parece apontar para um inusitado ciclo histórico de aperfeiçoamento humano. Será mesmo? Estamos, de fato, nos tornando melhores a cada dia? Atingimos elevados padrões de conduta? As pessoas não costumam dar respostas afirmativas ou expressar otimismo quando tais indagações lhes são formuladas. Ao contrário, o que se ouve são manifestações de insatisfação com os rumos da sociedade e de sua instituição fundante – a família –, empregando-se nessas avaliações palavras e expressões como “desorientação”, “perda dos valores de referência”, “egoísmo”, “individualismo”, “loucura generalizada”, “noção de limites”, “violência” e assim por diante. Enquanto isso, nos consultórios dos terapeutas da mente humana, o extravagante se converte em rotina. Num mundo de sofisticadas satisfações, a felicidade é devaneio buscado em várias e rentáveis formas químicas de agressão ao sistema nervoso central. E me recuso a falar nos bebês de borracha.
A pergunta que me ocorre, nesse cenário em que uma luzidia presunção coletiva projeta sombras de profundas insatisfações pessoais, é a seguinte: por que tantos e tantos renunciam à perfeição espiritual, inerente à natureza humana, relegando-a ao patamar das coisas tolas ou inatingíveis? Se somos tão aperfeiçoáveis em tudo, por que abdicamos à busca do Bem e da perfeição moral e espiritual?Quando se trata dessas dimensões do ser, apesar de sermos cobradores permanentes da perfeição alheia, costumamos afirmar que “somos como somos” e que “devemos aceitar nossa imperfeição”.
A propósito – e poderia dizer, paradoxalmente –, ainda não encontrei alguém que proclamasse, a respeito de seu trabalho e de sua atividade profissional, coisa do tipo “eu sou incapaz”, “só consigo fazer malfeitas as tarefas que me são atribuídas”, ou “não me peçam nada melhor porque só sei fazer, mesmo, essa droga que aí está”. Ora, se, como regra geral somos caprichosos, se nos empenhamos na qualidade do que materialmente fazemos, se nos ocupamos em projetos de Qualidade e Excelência, de onde vem esse abandono coletivo da perfeição moral e espiritual?
Nada contra a qualificação técnica, o zelo pelo que seja material e o empenho em produzir bens e serviços de elevado padrão (aliás, tudo a favor). Há nisso um conteúdo ético importante que se expressa no respeito ao próximo (consumidor, cliente, colaborador etc.). Mas não me parece coerente que, no contrapelo, as pessoas se satisfaçam com muito menos do que isso quando se trata de valores e das virtudes que os exaltam. Principalmente porque não há outro caminho para a felicidade de todos e de cada um. Deveria ser – e é! – tão possível buscar a perfeição espiritual quanto perseguir a qualidade em tudo que materialmente fazemos. A perfeição espiritual não é certificada por alguma instituição externa, mas por profunda e justificada felicidade interior. Ela paga bem.