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A Guerra do Fim do Mundo, cujo palco foi o sertão baiano, do peruano Mário Vargas Llosa, mesmo com uma visão mais romanceada da guerra de Canudos, é livro na mesma importância do Sertões de Euclides da Cunha. Não só na acolhida respeitosa que faz do seu mais importante personagem, o Antônio Conselheiro como líder de um povo miserável mas que, também, lhe reconhece a crença, sua luta, e sem preconceitos. O vê à frente de um movimento, com seu conjunto de princípios, com seus homens, em busca daquilo que acredita encontrar através de sua porta da verdade. Não atravessaram-na, não imaginavam quão escorada estava. A visão que me deixou, na passagem da empalação do coronel Tamarindo, é a forma mais explícita de ódio pelo poder constituído, que jamais vi algo sequer parecido em nossa história. Nem mesmo os horrores das chacinas ou lutas na vila ou às margens e dentro do Vasa Barris como represálias, apagam a força daquele significado. Não abordo literatura, e sim, valores. E de valores extremados quando jorram ódio absolutamente impermeável ao diálogo ou à razão.

Nas descrições de Guimarães Rosa em seu Grande Sertão: Veredas, as bases do abandono dos homens são quase que as mesmas daquelas de Canudos, que os levaram a ter um meio próprio de vida e valores que os permitissem sobreviver frente às indiferenças do estado e às demais características inóspitas do ambiente ao qual se submetiam. Quem se recorda do Liso do Sussuarão (…pra lá, pra lá dos ermos…escampo dos infernos…), vem a entender que sertão é de fato muito perigoso … Diz o autor na voz de Teobaldo: “Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar.” Ou então: … “O que eu quero é na palma da minha mão. Igual aquela pedra que eu trouxe do Jequetinhonha”.

É isto aí, o homem passa a ser o intérprete próprio e prático da palavra de Deus, a desenhar e gozar sua vontade, a ter sua própria lei, porquanto a outra só lhe chegava por meio da perseguição e do castigo. E nem sabia bem porque. Para viver, só reagia, fugia.

Nós não sofremos os pavores que grassaram com a Santa Inquisição, mas tivemos, e muitos, de seus Torquemadas. Em vez de fogo, sempre bala e faca. Quase nunca a palavra.

Estes milhões de brasileiros que hoje mal sabem deles mesmos e hoje reidentificados como os Invisiveis na pandemia do coronavirus e que foram foco do antigo Fome Zero de 2003, subnutridos, símbolos de nosso abandono, sem a palavra do lar ou da escola, sem o calor e amor de mãe, mão de pai, vigilância de irmão, solidariedade de quem quer que seja, famintos de tudo, tanta é a pobreza, tal é o descaminho, são legítimos retratos, representantes ou herdeiros destes homens antes dizimados descritos em ambos autores. Vale a analogia porque a origem destas desgraças está em um lugar só. Seja em qualquer Município ou Estado. Urge e vale-nos chegarmos mais perto de cada um deles porque, além do melhor gesto humano, neles também emergem e vivem sentimentos que só mesmo a alma humana é capaz de enunciá-los independente de tudo, até mesmo dos próprios homens e de Deus, como Guimarães nos mostra que, na aridez ou no arranca-toco daqueles sertões e fins de mundo, era possível brotar e crescer coisas assim:

“ Macambira das estrelas,
Xique-Xique resolveu:
-Quixabeira, bem me queira
Quem te ama, Bem, sou eu….”

Atrás do verso, o homem. A ambos, admiração e respeito.

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Maurício Valadares

Mineiro, nascido em Curvelo, centro geográfico do estado. Mãe professora, Pai médico (por lá, por ser boca do Sertão Mineiro, da alma da gente a Lua não sai, como de cima da gente o sol não se vai...) Mora em Belo Horizonte, casado, três filhos, cinco netos... Com seus primeiros estudos na cidade, já em Belo Horizonte concluiu no Colégio Santo Antônio o curso científico e, na UFMG, o diploma de Engenheiro Mecânico e Eletricista. Selecionado para iniciar como Auxiliar de Ensino aos professores da Universidade de Michingan (USA) no Instituto Tecnológico de Aeronáutica ITA (S. José dos Campos, SP) para a iniciação ali do Curso de Engenharia Mecânica, onde foi seu professor por cinco anos e cumprindo a sua pós graduação. Transferiu-se para a Embraer como engenheiro de cálculos, chefe da sua área de Normas e Procedimentos e Gerente Comercial de Peças, tendo, inclusive, dirigido seu Escritório de Projetos. De volta a Belo Horizonte, passou pela Aços Minas Gerais (AÇOMINAS), Usiminas Mecânica (USIMEC) de onde saiu como seu Diretor Comercial e de Engenharia. Passou pela Siderúrgica Mendes Júnior como Superintendente Comercial e Assistente da Presidência bem como pela Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte como Superintendente de Marketing e Vendas. É professor associado da Fundação Dom Cabral com atuações em Estratégia, Planejamento Estratégico, Gestão de Projetos, de Negócios e Análise de Risco em alguns de seus diferentes programas de desenvolvimento empresarial. Qualificado pela FDC para atuar como Membro de Conselhos de Administração CEO da MCBV Engenharia & Desenvolvimento Empresarial, Proprietário da Fazenda do Cerrado, Felixlândia, MG, criador de Gado Nelore, atuando em pecuária de corte. Experiências adquiridas em negociações internacionais, bem como Palestrante para Comitês de Estratégia em Conselhos de Administração e como Membro de Conselhos Consultivos em diferentes organizações. Autor dos livros “Planejamento Estratégico Empresarial - Foco em Clientes e Pessoas” e “Planejamento como Fator de Sucesso” editados pela QualityMark (Rio de Janeiro, RJ); Leitor assíduo. Grande interesse pela literatura em geral. Uma atenção a História, em particular. Ex-atleta chegando a atuar, em época de universidade, como integrante dos quadros esportivos da FUME, Federação Universitária Mineira de Esportes...e muito bom em jogos de Damas e Xadrez...até hoje!