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Na era da inteligência artificial e da transformação digital acelerada, a governança de dados deixou de ser um tema exclusivamente técnico para se tornar um pilar estratégico essencial nas empresas. O avanço dos modelos de linguagem de larga escala (LLMs) e sua aplicação crescente em setores como saúde, finanças, cadeias de suprimento e cibersegurança elevou o nível de responsabilidade sobre como os dados são coletados, organizados, utilizados e protegidos. Nesse novo cenário, governança, auditoria e segurança da informação não são mais apenas exigências regulatórias — são a base para conquistar confiança, melhorar a eficiência e gerar vantagem competitiva.

Essa mudança de mentalidade também transforma o papel da cibersegurança, que antes era vista como uma etapa final do processo, e agora passa a ser um elemento integrado a todas as fases do ciclo de vida dos dados. Isso significa que a segurança precisa estar presente desde a concepção dos sistemas — o chamado security by design — até a operação contínua desses dados em ambientes complexos, descentralizados e em constante evolução. Incorporar a segurança desde o início garante não só a proteção contra ameaças externas, mas também ajuda a prevenir riscos internos, como vazamentos acidentais, configurações incorretas ou acessos indevidos.

Projetos de migração para a nuvem ilustram bem a importância da governança nesse contexto. Como apontam Singh e Singh (2025), migrar de sistemas antigos para arquiteturas em nuvem exige uma reformulação completa dos processos de controle e monitoramento de dados. Em ambientes híbridos e multicloud — onde informações circulam entre diversas plataformas e localidades —, práticas como classificação, criptografia, controle de acesso e rastreabilidade deixam de ser ações isoladas e passam a ser fundamentais para a sustentação dos negócios. Os dados desses autores indicam que 85% das organizações já priorizam a classificação de dados, 78% investem em controles de acesso e 72% se concentram no cumprimento das normas regulatórias. Ainda assim, tecnologias mais avançadas, como o uso de IA para auditoria e automação de políticas, ainda avançam em ritmo lento, mas com enorme potencial.

No universo atual da inteligência artificial e das ferramentas de análise de dados, esses desafios se tornam ainda mais complexos. Modelos treinados com bilhões de parâmetros exigem um cuidado especial com a qualidade, a origem e a proteção dos dados usados no treinamento. Quando esses cuidados não existem, aumentam os riscos de problemas sérios, como respostas erradas (alucinações), vieses, vazamento de dados pessoais ou decisões equivocadas. Além disso, esse cenário abre espaço para novas formas de ataques digitais, cada vez mais sofisticadas, que exploram brechas na forma como os dados são utilizados e processados por sistemas de inteligência artificial. Esses ataques podem comprometer o desempenho dos modelos, alterar suas respostas, permitir o vazamento de informações sensíveis ou até mesmo influenciar indevidamente os resultados de forma silenciosa. Os impactos vão além da falha técnica — afetam a confiabilidade, a segurança jurídica, a reputação da empresa e a tomada de decisão baseada em dados. Diante disso, a cibersegurança assume papel central na governança de IA, exigindo atenção contínua, mecanismos de prevenção, atualização constante de controles e uma postura proativa diante dos riscos.

A auditoria de dados, dentro dessa lógica, deve ser uma atividade contínua e alinhada aos objetivos do negócio. Mais do que identificar falhas, ela deve antecipar riscos e apoiar decisões estratégicas. Ferramentas como versionamento de dados, registros imutáveis (como blockchain), trilhas automatizadas e painéis de controle em tempo real permitem que líderes monitorem os principais indicadores com clareza e agilidade. Como reforça Nickerson (2022), uma governança eficaz precisa atuar em diversas camadas — não só na parte técnica dos dados e sistemas, mas também na governança organizacional, envolvendo as lideranças e demais áreas da empresa.

Outro aspecto central é a proteção de dados sensíveis, especialmente no uso de inteligência artificial. Carlini et al. (2023) demonstram que, em modelos de linguagem, a ausência de proteções adequadas pode expor dados confidenciais — como informações de clientes, prontuários médicos ou transações financeiras. Evitar esse tipo de exposição exige medidas como criptografia, gestão de chaves, redes segmentadas, anonimização e controle detalhado de acessos. No entanto, segurança não se resume a ferramentas: ela representa também a confiança que a empresa transmite a seus clientes, reguladores e parceiros ao demonstrar que trata seus dados com responsabilidade.

Complementando esse cuidado, mecanismos de prevenção contra perda de dados (DLP) atuam de maneira proativa, monitorando o uso e o comportamento dos dados para evitar vazamentos, mesmo que acidentais. Integrados à classificação e rotulagem, esses controles acompanham os dados ao longo de todo o seu ciclo de vida, garantindo conformidade e alinhamento com a política de segurança. Essa abordagem ganha força com soluções modernas de detecção e resposta, que oferecem visibilidade constante, bloqueios automatizados e agilidade na resposta a incidentes. Técnicas como Deception, que simulam ambientes falsos para atrair e identificar ameaças, também têm sido adotadas para fortalecer a capacidade de prevenção das organizações.

Com a ampliação do uso de nuvem, edge computing, analytics e IA generativa, proteger dados se tornou um desafio estratégico para toda a organização — e não apenas um tema da área de tecnologia. Por isso, entendemos que as medidas mínimas de segurança hoje devem considerar:

  • Criptografia de ponta a ponta (AES-256);
  • Gestão de chaves com CPK ou CMK;
  • Redes privadas virtuais (VPCs) e restrições geográficas/IP;
  • Certificações robustas: SOC 2, PCI DSS, HIPAA, ISO 27001.

Além das ferramentas e boas práticas, a governança de dados deve ser sustentada por uma cultura empresarial baseada em ética, conformidade e transparência. Leis como a LGPD (Brasil), GDPR (Europa), HIPAA (EUA) e PIPL (China) estabelecem exigências rigorosas para o uso de dados pessoais e sensíveis. Mas mais do que atender às normas, as empresas devem assumir uma postura proativa de responsabilidade digital. Modelos de co-governança, nos quais áreas como tecnologia, jurídico, compliance e negócios compartilham a responsabilidade sobre os dados, têm se mostrado eficazes. Princípios como “HHH” (Helpful, Honest, Harmless) e estruturas como ETHOS e DataBOM são bons exemplos de como equilibrar inovação e responsabilidade.

Por fim, como destacam autores como Nazi, Liu e Keer, governança de dados não é apenas uma exigência de proteção — é uma base para a inovação. Empresas que estruturam bem seus dados conseguem gerar valor real a partir deles, alimentando sistemas de análise, personalizando experiências e descobrindo novas oportunidades. Isso reforça que governança, auditoria e segurança de dados não são custos operacionais, mas investimentos estratégicos em agilidade, resiliência e crescimento sustentável.

À medida que a transformação digital se acelera, especialmente com o avanço da inteligência artificial, é cada vez mais claro que dados bem governados são o alicerce de uma empresa preparada para o futuro. A governança de dados não pode estar separada da cibersegurança. Em um mundo onde dados alimentam decisões e onde os riscos se tornam mais complexos e distribuídos, proteger essas informações define o grau de confiança que uma organização é capaz de oferecer. Se a auditoria garante visibilidade e a governança estabelece estrutura, é a cibersegurança que assegura a continuidade e a integridade. Quando combinadas de forma inteligente e ética, essas disciplinas transformam a governança de dados no verdadeiro coração da empresa orientada a dados — um coração que não apenas protege, mas impulsiona.

Por Pedro Bocchese e Mateus Tavares


Referências Bibliográficas:

Carlini, N. et al. (2023). Extracting Training Data from Language Models.

Julakanti, H. et al. (2023). AI Data Governance Frameworks for Enterprise LLMs.

Keer, P. et al. (2023). DataSculpt: A Framework for Managing Long-context Training Data.

Khushmeet Singh & Anand Singh. (2025). Governança de Dados e Segurança na Nuvem Corporativa.

Liu, P. et al. (2022). HHH Alignment for LLMs: Helpful, Honest, Harmless.

Nickerson, J. V. (2022). Frameworks for Multi-layered AI Governance.

Nazi, A., & Peng, Y. (2023). Ethical Pre-Training of LLMs.

OECD (2024). AI, Data Governance and Privacy: Synergies and Areas of International Co-operation. OECD Artificial Intelligence Papers.

Singh, K. & Singh, A. (2025). Data Governance Best Practices in Cloud Migration Projects.

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