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Diversos pesquisadores do desenvolvimento adulto — de diferentes escolas e nomenclaturas, mas com conclusões muito semelhantes — vêm mostrando que apenas uma minúscula parcela dos adultos atinge o nível de maturidade psicológica necessário para enfrentar a complexidade crescente do nosso tempo. Embora usem termos variados, todos se referem a um mesmo fenômeno: uma mente capaz de transformar a si mesma enquanto transforma o mundo.

Robert Kegan, Bill Torbert, Susanne Cook-Greuter, Otto Laske e Jane Loevinger mostram, cada um a seu modo, que esse estágio avançado — chamado de Self-Transforming Mind, Transforming Action Logic ou Construct-Aware — é raro, percebido em cerca de 1% da população. E isso deveria nos preocupar. Isso não tem relação com QI, idade ou posição hierárquica, mas com complexidade interna: a capacidade de sustentar incerteza sem colapsar emocionalmente, enxergar múltiplas perspectivas ao mesmo tempo, reconfigurar crenças quando necessário, responder ao mundo a partir de um centro interno e não de pressões externas, e aprender em ciclos rápidos, reconhecendo que sempre há pontos cegos. É a mente que não se apega ao mapa, mas aprende com o território; que não protege identidades fixas, mas as reinventa conforme a realidade exige.

Isso importa porque os desafios que moldam o século XXI são problemas verdadeiramente complexos — os chamados wicked problems. Mudança climática, polarização social, esgotamento humano, disrupções tecnológicas, cadeias globais frágeis e instituições sob tensão não seguem lógicas lineares nem cedem a melhores práticas. São sistemas imprevisíveis, com múltiplas causas e múltiplos atores, exigindo líderes capazes de operar no mesmo nível de complexidade da realidade que precisam transformar. E, no entanto, apenas uma fração das pessoas está cognitivamente preparada para isso.

A maioria dos líderes opera em estágios anteriores, especialmente no Self-Authoring Mind, descrito por Kegan e observado também por Torbert. Esse nível, presente em cerca de um terço dos adultos, é competente, mas tende a defender narrativas próprias como verdades, reagir de forma defensiva a conflitos, buscar controle em contextos incertos e insistir na estabilidade em um mundo em mutação. É justamente essa mentalidade, ainda presa ao repertório do século XX, que reforça os padrões que criaram muitas das crises atuais.

Se quisermos enfrentar os problemas que determinarão as próximas décadas, precisamos ampliar drasticamente a proporção de líderes capazes de pensar sistemicamente, sustentar paradoxos, cocriar em vez de impor, experimentar com responsabilidade, tomar decisões éticas com horizonte longo e aprender mais rápido do que o mundo muda. Não se trata de luxo intelectual; é uma necessidade estratégica para organizações e sociedades.

A pergunta crucial, então, é como apoiar os 35% de Self-Authoring a avançar rumo ao Self-Transforming. A passagem não acontece por treinamentos técnicos, mas por contextos vivenciais que expandem consciência, complexidade interna e capacidade reflexiva. Nossa experiência mostra que isso exige integrar corpo, emoção, mente e propósito, porque ninguém salta de estágio apenas pelo caminho cognitivo. O Self-Authoring opera a partir de narrativas estíveis — “meu jeito”, “meus valores”, “minha visão” — e o desenvolvimento começa quando o líder é colocado diante da possibilidade de questionar delicadamente essas narrativas. Criamos espaços seguros de observação interna, conversas profundas, espelhamento entre pares e exploração de dilemas reais, permitindo que o líder perceba que suas histórias não são a realidade, mas construções. É nesse ponto que surgem as primeiras fissuras da verticalização.

O avanço acontece quando a pessoa aprende a sustentar paradoxos, exercitar presença, cultivar autorresponsabilidade emocional e ampliar sua escuta para além do óbvio. Abordagens integrativas ajudam líderes a enxergar sua participação nos padrões que criticam e a integrar sombra, vulnerabilidades e potenciais. A transformação se consolida quando o líder deixa de ser definido por suas identidades e começa a relacionar-se com elas, navegando incertezas com menos ansiedade e maior flexibilidade narrativa.

Apesar disso, vivemos um desequilíbrio profundo na forma como organizações e governos tentam promover transformação e regeneração. A imensa maioria dos esforços mira apenas no domínio das estruturas, processos e métricas — o campo do “ele/ela”, onde intervenções acontecem sobre sistemas e não dentro das pessoas. Programas de impacto socioambiental, ESG corporativo, projetos de desenvolvimento econômico ou iniciativas de inovação aberta no Brasil operam prioritariamente nesse território externo, trabalhando com indicadores, governança, tecnologia, compliance e resultados mensuráveis. O problema é que, sem o cultivo simultâneo do campo do “eu” (consciência, maturidade, narrativa interna) e do campo do “nós” (relacionamento, confiança, presença emocional, pacto coletivo), esses sistemas se tornam frágeis, inconsistentes ou rapidamente corroídos por padrões antigos. Precisamos ampliar as abordagens para que reconheçam que regeneração real exige transformação interna e relacional tanto quanto transformação estrutural — e que mudar apenas o sistema, sem mudar quem o habita e como se relaciona, é insuficiente para lidar com a complexidade que enfrentamos.

Ajudar esse grupo a avançar significa construir ecossistemas contínuos de aprendizagem, onde a complexidade externa encontra suporte interno suficiente. Esse é, hoje, um dos trabalhos mais estratégicos das organizações: só líderes capazes de transformar a si mesmos conseguem transformar sistemas. Se você chegou até aqui e concorda que tem um papel para ajudar o mundo a funcionar melhor, ótimo! Mas você precisa começar a se desenvolver! Se você quiser entender de perto quais habilidades estão em jogo — e como desenvolvê-las na prática — vale continuarmos essa conversa.

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Leonardo Comparsi

Leonardo Comparsi é engenheiro eletricista com mestrado em engenharia de produção, especialização em negócios e também em gerenciamento de projetos, e mais de 30 anos de experiência como executivo e consultor em inovação estratégica e transformação organizacional. Atuou em posições globais de liderança, como Diretor de Sistemas de Gestão na América do Norte e Head de Inovação Global na Gerdau, onde estruturou programas que conectam estratégia, cultura e execução, com resultados muito significativos. Nos últimos anos, tem se dedicado a iniciativas que unem inovação, bem-estar e desenvolvimento humano. Lidera projetos que integram consciência, desenvolvimento vertical e impacto regenerativo, além de hubs de inovação, mentorias executivas e consultoria. Com formação complementar em escolas como Darden (UVA), MIT, Stanford, University of Minnesota e Michigan State University, Leonardo combina razão e intuição para construir pontes entre resultados e propósito — acreditando que a verdadeira transformação acontece no espaço entre ideias e pessoas.