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Quem nunca ouviu a frase “Quem é você na fila do pão?”, dita com ironia, quase sempre para diminuir o outro. É o tipo de expressão que parece piada, mas carrega uma verdade profunda: a maioria de nós não sabe mais quem é quando tiram o crachá, o título ou o papel social. A pergunta, no fundo, é sobre identidade, e o silêncio que ela provoca diz muito. Vivemos tempos de identidades infladas e essências esvaziadas. Todo mundo quer ser alguém na fila — o primeiro, o mais lembrado, o que parece saber o que faz. Mas o pão virou metáfora: o que se busca não é alimento, é validação. Ninguém quer o pão em si, quer ser visto comprando.

Nos bastidores das empresas, isso é evidente. Reuniões viram arenas silenciosas de vaidade. Redes sociais transformam vulnerabilidade em produto. Até conversas informais parecem roteiros de autopromoção. E, no meio disso tudo, o que mais se perde é a espontaneidade.

O psicanalista Manfred Kets de Vries costuma dizer que, no topo das organizações, o que se encontra não é poder, mas vulnerabilidade disfarçada de força. Líderes que se protegem com títulos e discursos, mas carregam dentro de si uma fome antiga: fome de reconhecimento, de controle, de amor. O ego, quando inflado, não é sinal de força, e sim de medo. Ele precisa de aplausos para continuar respirando. Quanto mais se alimenta, mais vazio fica.

Erich Fromm já descrevia esse fenômeno: vivemos para ter, e não para ser. O “ter” virou medida de valor. Ter seguidores, ter influência, ter razão. E quanto mais acumulamos, mais nos afastamos de nós mesmos. O “ter” virou um disfarce bem aceito, uma forma socialmente elegante de esconder a insegurança de não saber mais quem se é.

Trabalho com carreira há muitos anos e já vi esse vazio de perto. Um executivo, ao se aposentar, me disse: “Não sinto falta das reuniões. Sinto falta de alguém me olhar e achar que eu agrego.” A fisionomia dele e a frase ficaram comigo. Ele não falava do trabalho em si, mas do espelho que o trabalho lhe dava. Sem o crachá, ele se sentia invisível. E talvez essa seja a crise silenciosa de muita gente: a perda do olhar que valida, do lugar que define, do papel que dá nome ao eu.

A verdade é que o ego precisa de palco, mas o ser precisa de chão. E, quando esquecemos o chão, passamos a viver com medo constante de cair. Daí vem a pressa, a comparação, a necessidade de provar o tempo todo que ainda estamos “na fila”, que ainda temos valor. Mas a fila do pão é, por natureza, um espaço de igualdade. Nela, ninguém é especial. Cada um carrega sua fome, seu tempo e seu motivo para estar ali.

E talvez o amadurecimento seja exatamente isso: conseguir esperar, sem precisar disputar quem chega primeiro. Fromm chamava isso de “liberdade de ser”. Kets de Vries chamaria de “integração do eu”. Eu chamaria de lucidez e maturidade: o momento em que a gente lembra que o pão é só pão. E o que importa, de verdade, é estar inteiro no que se faz, sem precisar provar nada pra ninguém. Então, da próxima vez que alguém soltar a velha pergunta — “Quem é você na fila do pão?” — talvez a resposta não precise ser irônica, isso se você quiser responder. Pode ser simples, tranquila, humana. Essa resposta é para quem?

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Bibiana Zereu

Empresária, Psicóloga, Consultora e Advisor em temas de Desenvolvimento Humano e Organizacional. Mestre pela FGV em Gestão Estratégica. Especialização em Empresas Familiares - Barcelona. Conselheira para Startups pela Board Academy. Experiência de 30 anos em desenvolvimento Humano.