A pandemia expôs, com crueza, a fragilidade da vida e a temporalidade da existência. Quando se vê, foi. O é vira era. O ser deixa de estar. O ter se transforma em pó. No ruir da prepotência da racionalista que pensa tudo saber, aquela pergunta vem com força: qual o sentido do viver?
Na busca da resposta perfeita, encontramos o amor, a fé, a filosofia, a política, a arte, o esporte, a terapia, a meditação, o álcool, remédios, alucinógenos, fugas, ilusões, imaginações e, também, a realidade. Sim, nas imperfeitas circunstâncias da realidade posta, está a nossa possibilidade de autenticamente viver.
Às vezes, talvez pela fugidia crença do amanhã, simplesmente deixamos os dias passarem. O peso, as angústias, as tristezas do cotidiano sugam nossas energias, paralisando a capacidade do agir. O metabolismo das frustrações é um processo gradativo. Aos poucos, no silêncio curador do tempo, vamos readquirindo vitalidade, confiança e esperança de dias melhores e, assim, com coragem, novamente nos jogamos no agitado mar da existência.
A cada braçada sobre o vai e vem das ondas, vamos avançando em direção ao que somos. Alguns irão mais longe, enquanto outros ficarão mais próximos da faixa de areia. Entre o muito e o pouco, o equívoco é a comparação ao outro e o esquecimento de si. Apenas deixar correr não é uma alternativa vencedora; a passividade não tem a senha de entrada da sala dos troféus. Mas, lembre-se: nem sempre aqueles que longe vão conseguem ter fôlego para voltar; na inércia da virtude, a correnteza pode ser fatal.
Nas idas e vindas dos dias, a sociedade cobra com insistência: exige profissão de respeito, casamento, família, carro do ano, celular do momento, corpo em forma, fotos sorridentes em redes sociais (de preferência em paisagens paradisíacas), posts com frases de efeito para parecer profundo, ser preferencialmente pet friendly e, claro, brindar uma espumantizinha no “sextou”. Ora, quando compreendemos tudo isso, a hipocrisia social vira uma grande diversão.
No hiato das possibilidades, o problema é dar valor para aquilo que não tem. E, diante da informação assimétrica, passarmos a, recorrentemente, fazer opções a partir de escolhas que não são nossas, mas que, sem sentir, incorporamos como inquestionáveis. As lógicas da dominação são sutis; o pior cativo é aquele que, entre amarras, se supõe livre. Aliás, houve um tempo que as instâncias do poder tinham que recorrer aos céus para impor suas vontades; hoje basta te fazer sentir fracassado.
Daí a importância fundamental de definirmos a “moeda” existencial do que somos, aquilo que realmente dá valor para nossos dias, a partir de critérios próprios, pessoais e intransferíveis. Tal moeda pode ser o trabalho, a família, a generosidade, o dinheiro, a religião, o papagaio, o time de futebol e/ou a boêmia. A lista é vasta e não acaba aqui. O segredo está em nos olharmos radicalmente de frente e, sem desculpas, decidirmos quais as moedas que irão pagar nossas faturas existenciais. Não adianta protelar; a partir de certa idade, os juros são compostos. E, lembrando Shakespeare, palavras não pagam dívidas.
Sim, ninguém sabe quando será o último dia. O significado da morte não está no sentido do fim, mas na urgência do viver, pois é vivendo que aprendemos a morrer. A boa vida só se realiza bem cumprindo o imperativo das escolhas e ao preço que estamos dispostos a pagar por viver. Nem sempre será justo. Nem sempre será fácil. O fundamental é que seja único e inesquecível. Pois, no apagar das luzes, a eternidade ilumina momentos singulares.
Belo texto Sebastiao