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O Rio Grande do Sul, historicamente reconhecido por sua cultura forte e seu espírito de resistência, encontra-se diante de um desafio inédito: transformar sua identidade e suas estruturas para enfrentar um novo ciclo de complexidade climática, econômica e social. As recentes crises expuseram a necessidade de um salto evolutivo que ultrapasse soluções pontuais. Este artigo propõe uma reflexão estruturada sobre como o estado pode usar suas raízes como base para a inovação e o progresso, traçando o caminho para um futuro mais resiliente e humano.

1. Um ponto de inflexão histórico para o Rio Grande do Sul

O Rio Grande do Sul atravessa um momento de ruptura histórica. Em meio a uma sucessão de eventos climáticos extremos, como as enchentes de 2024, o estado se vê obrigado a enfrentar suas fragilidades estruturais. Mais do que uma crise pontual, o que se apresenta é um sinal claro da necessidade de transformação profunda. As falhas expostas vão muito além da infraestrutura: revelam a urgência de uma nova abordagem para desenvolvimento, planejamento urbano, gestão de riscos e formação de lideranças. A resposta não pode se limitar à reconstrução das áreas afetadas. É preciso transformar a forma como o estado entende progresso, sustentabilidade e bem-estar coletivo. Atravessamos um ponto de inflexão: ou se escolhe um novo caminho, ou os problemas serão perpetuados com maior intensidade.

2. A evolução da cultura gaúcha: da honra à integração com o mundo

A cultura do Rio Grande do Sul é marcada por um forte senso de identidade. Desde o pós-guerra, valores como honra, coragem, lealdade e pertencimento comunitário moldaram o comportamento social e organizacional no estado. Essa cultura, enraizada na figura do gaúcho e no legado da Revolução Farroupilha, influenciou profundamente a forma de liderar, comunicar e inovar. No entanto, com o passar das décadas, o RS passou por uma lenta e constante modernização. A urbanização nos anos 60, a industrialização do interior, a inserção no mercado global e o surgimento de novas gerações mais conectadas ao mundo digital provocaram mudanças significativas. Ainda assim, mesmo com maior abertura à inovação e à informalidade, o gaúcho manteve um forte elo com suas tradições. Esse híbrido entre o tradicional e o moderno tornou-se característico: o RS é capaz de incorporar novidades, desde que alinhadas ao seu senso de identidade.

3. A cultura paulista como referência de modernização rápida

São Paulo representa um modelo contrastante. Desde os anos 1950, o estado paulista prioriza crescimento econômico acelerado, inovação tecnológica e pragmatismo empresarial. Isso gerou uma cultura organizacional voltada à meritocracia, à eficiência e à capacidade de resposta rápida às mudanças do mercado. A liderança em SP foi rapidamente se afastando do modelo autoritário e paternalista, tornando-se mais técnica, participativa e baseada em resultados mensuráveis. Esse ambiente facilitou a criação de startups, fintechs, empresas de tecnologia e modelos de negócio disruptivos. Por outro lado, o custo dessa velocidade foi, muitas vezes, a erosão de vínculos sociais profundos e o aumento de tensões ligadas à ansiedade, à desigualdade e à desumanização das relações. A lição para o RS não é copiar São Paulo, mas aprender com sua capacidade de adaptação sem abrir mão de preservar a humanidade no centro do processo.

4. Um caminho gaúcho para a transformação: modernizar sem desumanizar

O RS possui atributos valiosos para um futuro mais resiliente: senso de comunidade, espírito de solidariedade e respeito à cultura. Esses elementos devem ser mantidos como base para qualquer projeto de modernização. No entanto, há aspectos que precisam mudar: a lentidão na adoção de tecnologias, a resistência a modelos mais flexíveis de liderança e o apego a estruturas hierárquicas que limitam a criatividade.

A chave é encontrar um ponto de equilíbrio: utilizar a tradição como alicerce, não como barreira. Isto significa reconhecer os valores fundamentais da cultura gaúcha – coragem, lealdade, sentido de comunidade – como combustível para a inovação, e não como prisão ao passado. A inovação deve ser apresentada à sociedade como uma extensão natural desses valores, mostrando que mudar é uma forma de honrar a bravura dos antepassados, que também foram inovadores à sua época, ao desafiar modelos estabelecidos (ortodoxias).

Por exemplo, no setor agropecuário, tradicionalmente valorizado no RS, tecnologias de agricultura de precisão – como drones para monitoramento de plantações e sensores de solo – podem ser apresentadas não como “ruptura” com a tradição rural, mas como “modernização da relação com a terra”, preservando o espírito de cuidado, sustentação e sabedoria do campo. O que muda são as ferramentas; o compromisso com a terra permanece.

Essa abordagem reduz resistências emocionais e culturais, pois reforça a continuidade de valores centrais. Assim, modernizar não significa negar a identidade gaúcha, mas expandi-la para enfrentar os desafios do presente e do futuro, preparando as organizações para agir com agilidade sem perder a profundidade relacional que caracteriza o povo gaúcho.

Para viabilizar essa transformação, é essencial desenvolver lideranças com habilidades específicas. A primeira delas é a capacidade de criar segurança psicológica nas equipes. Isso significa promover um ambiente onde os indivíduos se sintam livres para expressar ideias, questionar, sugerir e errar sem medo de punição. Criar segurança psicológica exige que o líder pratique escuta ativa, valide emocionalmente as contribuições dos membros da equipe e estabeleça uma cultura de acolhimento ao erro como parte do processo de aprendizagem. Exige também que se estabeleçam limites claros para a comunicação respeitosa, e que haja consistência entre discurso e ação. O líder precisa mostrar vulnerabilidade quando apropriado, reconhecendo suas próprias limitações e aprendizados, pois isso encoraja os outros a fazerem o mesmo.

Outra competência fundamental é a capacidade de atuar em ambientes com distribuição de poder. Lideranças tradicionais precisam evoluir para modelos mais colaborativos, onde a tomada de decisão é compartilhada e as responsabilidades são distribuídas. Essa distribuição de poder exige habilidade para escutar ativamente, integrar pontos de vista diversos e ceder o controle sem perder a direção. Trata-se de transformar a autoridade baseada em hierarquia pela influência baseada em exemplo, visão e integridade.

Agir com agilidade, por sua vez, é mais do que ser rápido. Agilidade verdadeira envolve a capacidade de experimentar, adaptar-se e tomar decisões em ciclos curtos, com base em dados e feedbacks reais. Para isso, os líderes precisam desenvolver mentalidade de aprendizado contínuo, desapego de soluções prontas e tolerância ao erro construtivo. Em contextos de crise ou incerteza, como os enfrentados pelo RS, essas qualidades se tornam diferenciais para garantir sobrevivência e prosperidade.

Por fim, é indispensável manter a profundidade relacional, mesmo em ambientes altamente dinâmicos. O RS possui uma cultura rica em relações baseadas na confiança e no afeto. O desafio é modernizar a gestão sem perder essa base humana. Isso requer empatia, escuta profunda, inteligência emocional e capacidade de construir significado coletivo. Em outras palavras, é preciso formar líderes que, mesmo inseridos em um mundo acelerado e complexo, consigam gerar conexões genuínas com suas equipes e comunidades.

Essas competências fazem parte do conjunto de habilidades desenvolvidas no que se chama de Desenvolvimento Vertical. É esse tipo de liderança que pode preparar o RS para um futuro em que a tradição e a inovação possam caminhar juntas, onde o progresso não signifique perda de identidade e onde a modernização não seja sinônimo de desumanização. É o tipo de liderança que não apenas gerencia mudanças, mas as inspira, estrutura e sustenta ao longo do tempo.

5. O papel do Desenvolvimento Vertical de Lideranças

Transformações estruturais só são sustentáveis quando alicerçadas em transformação humana. É nesse ponto que o Desenvolvimento Vertical de Lideranças se torna indispensável. Essa abordagem, estudada por teóricos como Robert Kegan e Bill Torbert, propõe uma evolução da consciência dos líderes. Diferente do desenvolvimento horizontal (que amplia conhecimentos e competências), o desenvolvimento vertical expande a capacidade de perceber o mundo, integrar diferentes perspectivas e operar em contextos complexos.

A relevância desse tipo de liderança vai muito além da resposta imediata a desastres e se torna essencial na construção de um futuro sustentável e resiliente para o Rio Grande do Sul. O momento atual requer um novo tipo de liderança: líderes capazes de guiar processos de reconstrução que transcendam o simples retorno à condição anterior, articulando uma visão de longo prazo e propondo estratégias para fortalecer a economia local de maneira equitativa e regenerativa.

Esses líderes também serão os principais agentes de mudança cultural e institucional, fomentando uma nova mentalidade voltada à adaptação climática, à inclusão social e ao fortalecimento de sistemas socioeconômicos preparados para futuros desafios. A função da liderança se transforma: de gestora de crises a arquiteta da inovação e da regeneração.

Considerando o elevado nível de complexidade desse contexto, é imprescindível que as lideranças estejam preparadas para sustentá-lo tanto do ponto de vista prático e cognitivo quanto psicoemocional. Isso exige não apenas competências técnicas (desenvolvimento horizontal), mas uma profunda evolução da maturidade intrínseca (desenvolvimento vertical).

Robert Kegan, da Harvard School of Education, destaca que a aprendizagem vertical gera um “salto quântico” na capacidade mental de lidar com a complexidade, habilitando líderes a navegar em ambientes de rápida mudança e a disseminar essa capacidade para suas equipes. Bill Torbert, do Carroll School of Management, complementa que o verdadeiro diferencial dos líderes reside em sua “lógica interna de ação” — a forma como interpretam a realidade e decidem agir —, e não apenas em sua filosofia de gestão.

Outras perspectivas contemporâneas fortalecem essa visão. Gail Hochachka, pesquisadora da University of British Columbia, aponta que resiliência e adaptabilidade se tornaram essenciais para líderes frente à mudança climática. Para Hochachka, a liderança deve evoluir em camadas, ampliando progressivamente a capacidade de tomada de perspectiva, de modo aninhado, como em uma matriosca. Essa evolução é crucial para integrar diferentes visões de mundo e criar respostas mais abrangentes e inclusivas. Estudos recentes mostram que mentalidades mais complexas são mais bem equipadas para lidar com crises sistêmicas, como a climática, possibilitando a inspiração de equipes e comunidades rumo à cooperação e à inovação.

Outro aspecto chave é o desenvolvimento de uma visão sistêmica profunda. Líderes que integram capacidades subjetivas e objetivas são mais aptos a promover formas diversas de adaptação — pessoal, prática, crítico-estrutural e co-gerativa. Entender as conexões entre fatores sociais, econômicos e ambientais é vital para desenvolver estratégias de longo prazo que não apenas mitiguem riscos futuros, mas também regenerem as bases da vida coletiva.

Transformações profundas serão necessárias: alterações de sistemas, comportamentos, visões de mundo e culturas. Mais do que soluções técnicas, será preciso promover mudanças pessoais que alinhem valores, atitudes e ações. A pandemia de COVID-19 mostrou que mudanças rápidas e massivas são possíveis quando há uma aceitação cognitiva em níveis elevados de complexidade. Diante desse cenário, o Desenvolvimento Vertical não é apenas relevante: é essencial para a regeneração do Rio Grande do Sul. Líderes que expandirem sua mentalidade para patamares mais complexos e integradores estarão melhor preparados para enfrentar os desafios sistêmicos, inspirar transformações sustentáveis e garantir um futuro mais justo, resiliente e humano para o estado e sua população.

Nosso objetivo, portanto, deve ser o de potencializar o desenvolvimento das lideranças do Estado, conscientizando-as sobre suas potencialidades e limitações, sobre a complexidade do ambiente em que atuam, e preparando-as para serem os novos arquitetos da inovação regenerativa que o futuro exige.

6. Desenvolvimento Vertical como vetor da transformação

A aplicação prática do Desenvolvimento Vertical no contexto gaúcho representa uma alavanca estratégica para transformar a gestão pública, empresarial e comunitária em bases sustentáveis, resilientes e inovadoras. No atual cenário de crise e reconstrução, não basta apenas reagir a emergências: é necessário antecipar desafios, desenhar soluções sistêmicas e mobilizar pessoas em torno de propósitos comuns e regenerativos.

Líderes mais conscientes e desenvolvidos verticalmente tomam decisões considerando múltiplos horizontes de impacto: social, ambiental, econômico e cultural. Conseguem integrar o respeito à tradição local com a adoção de práticas modernas de governança, inovação e sustentabilidade. Essa habilidade é fundamental para que o Rio Grande do Sul consiga preservar sua identidade cultural forte ao mesmo tempo em que evolui para responder aos novos riscos e oportunidades que o século XXI impõe.

O Desenvolvimento Vertical capacita líderes a operar em ambientes de alta complexidade através de algumas competências-chave:

· Pensamento sistêmico: capacidade de enxergar interdependências entre fatores aparentemente isolados e compreender como pequenas ações podem gerar grandes impactos ao longo do tempo.

· Navegação de ambiguidade: habilidade de agir com clareza mesmo quando a realidade é incerta, incompleta ou paradoxal.

· Tomada de perspectiva ampliada: integração de múltiplos pontos de vista (econômicos, ambientais, sociais, emocionais) na formulação de estratégias e decisões.

· Comunicação autêntica e engajadora: expressão de ideias de forma clara, corajosa e sensível às necessidades emocionais dos públicos envolvidos.

· Fomento de culturas de aprendizado contínuo: criação de espaços seguros para experimentação, erro e evolução organizacional.

No caso do RS, o impacto dessas novas lideranças seria profundo. Nas políticas públicas, permitiria a articulação de planos de reconstrução que não apenas reerguessem infraestruturas, mas criassem cidades mais verdes, resilientes a desastres naturais e socialmente inclusivas. No setor empresarial, estimularia modelos de negócio regenerativos, baseados em práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) sólidas e inovadoras. Na sociedade civil, fortaleceria redes de cooperação capazes de mobilizar comunidades inteiras para mudanças sustentáveis e autônomas.

Além disso, líderes com alta maturidade vertical são especialmente eficazes em construir ambientes de alta responsabilidade e alta confiança — combinação essencial para times que precisam inovar sob pressão e colaborar em meio a adversidades. Eles fomentam culturas em que o pertencimento é combinado com a responsabilização, criando times mais coesos, criativos e resilientes.

Outro efeito transformador do Desenvolvimento Vertical é a capacidade de liderar transformações culturais de médio e longo prazo. No RS, onde a cultura de valorização da tradição é forte, será necessário não apenas modernizar práticas, mas ajudar comunidades a reinterpretarem suas tradições de maneira viva e evolutiva — preservando seus sentidos essenciais enquanto se adaptam às novas realidades.

Essa jornada de transformação não será simples, nem rápida. Desenvolver verticalmente líderes exige programas de formação consistentes, práticas reflexivas intencionais e ambientes organizacionais que sustentem o crescimento psicológico e cognitivo de seus integrantes. No entanto, os frutos desse investimento são exponenciais: uma sociedade mais adaptável, humana, inovadora e capaz de construir um futuro sustentável em bases próprias.

Portanto, o Desenvolvimento Vertical não é apenas um vetor da transformação: é o próprio alicerce da nova identidade que o Rio Grande do Sul precisa construir para prosperar nas próximas décadas. Sem essa evolução na qualidade da consciência e da ação de suas lideranças, todas as demais estratégias correm o risco de serem superficiais ou efêmeras. Com ela, o RS poderá realizar uma verdadeira regeneração — social, ambiental, econômica e cultural — digna de sua história de coragem e superação.

7. Conclusão: um novo ciclo para o RS

O Rio Grande do Sul tem, neste momento, a oportunidade rara de reescrever seu futuro. A travessia por tragédias recentes deixou claro que resiliência não é apenas resistência, mas capacidade de se transformar com integridade. O estado precisa conjugar suas virtudes históricas com novas habilidades e modelos mentais. Isso passa por modernizar sua infraestrutura, reformar suas instituições e redesenhar suas formas de liderar. Mas acima de tudo, é preciso formar pessoas capazes de conduzir essa jornada. O Desenvolvimento Vertical de Lideranças não é mais um diferencial: é um imperativo estratégico. É ele que permitirá preservar a alma gaúcha enquanto se constroem as pontes para o futuro. O RS tem uma chance histórica de ser um modelo de transformação humana e estrutural. Cabe agora escolher esse caminho com coragem, consciência e visão.

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Leonardo Comparsi

Leonardo Comparsi é engenheiro eletricista com mestrado em engenharia de produção, especialização em negócios e também em gerenciamento de projetos, e mais de 30 anos de experiência como executivo e consultor em inovação estratégica e transformação organizacional. Atuou em posições globais de liderança, como Diretor de Sistemas de Gestão na América do Norte e Head de Inovação Global na Gerdau, onde estruturou programas que conectam estratégia, cultura e execução, com resultados muito significativos. Nos últimos anos, tem se dedicado a iniciativas que unem inovação, bem-estar e desenvolvimento humano. Lidera projetos que integram consciência, desenvolvimento vertical e impacto regenerativo, além de hubs de inovação, mentorias executivas e consultoria. Com formação complementar em escolas como Darden (UVA), MIT, Stanford, University of Minnesota e Michigan State University, Leonardo combina razão e intuição para construir pontes entre resultados e propósito — acreditando que a verdadeira transformação acontece no espaço entre ideias e pessoas.