A fixação de abrupta e desproporcional tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, antes de mera questão comercial, revela situação diplomática de alta gravidade: há, no entender da Casa Branca, indícios de substantivas anomalias político-jurídicas no Brasil, a comprometer valores americanos de proteção dos direitos humanos, respeito a garantias constitucionais de liberdade e combate à corrupção. Para além da sanção tarifária, o eminente secretário Marco Rubio impôs inédita revogação de vistos oficiais de autoridades brasileiras e suas famílias, complementada por ato sancionário da Secretaria do Tesouro americano em aplicação inicial da chamada Global Magnitsky Act, entre outros indicativos potenciais de Washington.
Ao longo da escalada da crise, como se estivesse a viver em mundo paralelo, o excelentíssimo senhor Presidente da República, em vez da seriedade inerente à responsabilidade do cargo que ocupa, preferiu responder com bravatas e verborragias infantis, tendo inclusive gravado um vídeo em que sugere jabuticabas ao Presidente Trump. Para agravar o disparate, esquecendo-se de defender legítimos interesses do Brasil, fez questão de estimular a estúpida narrativa entre lulistas e bolsonaristas que pode ser tudo, menos benéfica ao País. Alheio à realidade e ao som da internacional socialista na vitrola, o atual inquilino do Planalto parece querer ser o último chofer de uma deletéria e ultrapassada esquerda latino-americana, cuja única revolução foi a perpetuação da miséria dos povos e a progressiva subjugação ao narcotráfico.
Ora, é preciso interromper a marcha da insensatez em curso e, sem viés ideológico, endereçar assertivas medidas diplomáticas em favor dos urgentes e inadiáveis interesses econômicos e políticos do Brasil. Incompreensivelmente, em fato inédito nas altas tradições de Rio Branco, corre informação de que o governo brasileiro não dispõe de canais de comunicação direta com a Casa Branca e que sequer teve a deferência de cortesia inaugural com o secretário de Estado. Entre o dito e o não falado, os dias passam sem qualquer arrefecimento de ânimos, aproximando o País de desfecho desfavorável com perigoso isolamento global.
Em tempo, cumpre registrar que a referida Lei Magnitsky, criada em 2012 para punir agentes russos envolvidos na prisão e morte do advogado Sergei Magnitsky (que cometeu o “crime” de divulgar fraudes fiscais em Moscou), teve escopo ampliado para fins globais, a partir da Executive Order 13818, firmada pelo Presidente Donald Trump. Entre sanções políticas e financeiras, tem o objetivo de punir estrangeiros e entidades satélites envolvidas em práticas ilegais, caracterizadoras de violações aos direitos humanos em países corroídos pela corrupção e despidos de independência judicial, à luz do devido processo legal. Até novembro de 2024, os Estados Unidos, forte na Lei Magnitsky, impuseram punições a 245 pessoas e mais de 300 empresas ou organizações de fachada a serviço de práticas delitivas. As sanções não possuem natureza perpétua, permitindo revisão mediante pertinentes esclarecimentos comprobatórios quanto à inexistência, saneamento ou superação da suposta conduta irregular originária.
No plano macro, os riscos da circunstância são extremos. O fato é que o Brasil virou campo de experimentação no confronto velado entre os Estados Unidos e a China. Nesta guerra fria 2.0, entre mísseis econômicos e tecnológicos, há muito em jogo no instável tabuleiro geopolítico, entre estratégias pioneiras e movimentos inusuais. Se entre grandes potências é permitido maior margem conjuntural, o Brasil é vulnerável por todos os lados. E tal vulnerabilidade – em um país populoso dotado de sistema econômico relativamente desenvolvido – permite que sejamos usados como tubos de ensaio para novas armas comerciais e gatilhos cibernéticos de impacto, ainda sem claro efeito social e psicológico nas massas. É lógico que não deveríamos estar em posição tão exposta, mas a lógica apenas beneficia países que fazem bom uso da razão crítica e do pensamento superior.
Por tudo, é aconselhável mitigar riscos relevantes e propor hábil composição de interesses, deixando a subalterna posição de papagaio de recados ideológicos. Elevando preceitos de neutralidade e pragmatismo, temos que emitir credíveis sinais de aproximação e interesse negocial com a Casa Branca, indicando emissários e negociadores com respeitabilidade em Washington. A partir de canal confiável, é fundamental restabelecer elo direto com o Presidente Trump, o que já devia estar efetivo desde sua posse oficial. E não se diga que não é possível, pois inexiste impossibilidade diplomática com grandeza de princípios, iniciativa responsável e coragem de fazer o certo em favor do Brasil e dos brasileiros. Afinal, como bem pontuou Kissinger, há sempre um “element of choice” que determina sucessos ou falhas nos acontecimentos históricos.
Artigo publicado originalmente em O Estadão, edição do dia 12 de agosto de 2025.
Que esforço retórico (sem sucesso) para criticar uma posição óbvia do governo brasileiro de um mínimo de soberania nacional. No mais fiquei em dúvida se a menção aos ‘valores americanos’ foi carregado de alguma ironia embutida. Porque hoje o que se apresenta por lá é o ‘fim da várzea’.