Lembro de criança ouvir a música “ Dice el Inmigrante” de León Gieco e ficar intrigada com como podia ser que um imigrante se sentisse mal de estar fora do país. Acaso viajar não é bom?
A fantasia de criança foi se entorpecendo ao ver as constantes críticas e menosprezos às pessoas de países como Perú e Bolivia na minha natal Argentina. Mas porque chamar alguém de boliviano é um insulto? Me perguntava na época de adolescente.
E fui para a Bolívia. E me apaixonei pela Bolívia e pelos bolivianos. E os peruanos, e os colombianos, uruguaios, paraguaios, equatorianos, até chilenos, e principalmente uma grande compaixão hoje pelo povo venezuelano.
Chegou o dia em que eu me converti em imigrante e sofri na pele aquilo que León Gieco escreve na sua música: “Leva cruz do marginado, leva outra língua, a raiva, a dúvida e a tristeza. Têm que pagar com o esquecimento, lágrima de porto e desterro.”
Há 15 anos morando no Brasil, no sul, meu sangue e língua correm e se misturam com o mais íntimo do gaúcho. Vamos criando laços e crescendo raízes onde o coração late. O Rio Grande do Sul é hoje minha terra de escolha.
Escolha, veja bem.
A imensa maioria dos imigrantes não têm essa escolha. Não quer ir embora. Não quer deixar tudo para trás. Tudo: família, casa, terra, costumes, língua. Tudo.
Estes tempos tivemos, como brasileiros, que atravessar pela vergonha coletiva quando o chanceler Ernesto Araújo escreveu o artigo chamado “Comunavirus”. Onde escreve que o medo causado pela epidemia desperta nas pessoas “ o pesadelo comunista”, assim como já teria ocorrido com o “ climatismo ou alarmismo climático, a ideologia de gênero, o dogmatismo politicamente correto, o imigracionismo, o racialismo, o antinacionalismo e o cientificismo”.
O problema, ao meu ver, não radica na opinião viesada, cheia de transtornos ideológicos e carente de conhecimento histórico, filosófico e racional. O assustador é quando estes elementos se espalham em silêncio e constância na consciência coletiva de um povo.
Numa reunião com amigos, eles comentaram sobre o perigo da “invasão” venezuelana no norte do Brasil. E a turma aceitou o termo invasão de bom grado. Ninguém ficou constrangido, nem sequer uma pergunta de porquê um povo migra de uma terra para outra seria migração e não invasão. Ninguém questionou ou lembrou que a humanidade historicamente, e desde o início, foi evoluindo, mudando, crescendo, por justamente migrar de uma terra para outra. Desde sempre.
E quando ficamos sem saber como explicar a importância das trocas culturais e genéticas que as migrações massivas trazem à humanidade, temos a imensa sorte de compensar com a palestra de Chimamanda Ngozi Adichie sobre o perigo da “ história única”. Em resumo: “Nossas vidas, nossas culturas, são compostas de muitas histórias sobrepostas. A romancista Chimamanda Adichie conta a história de como ela encontrou sua autêntica voz cultural – e avisa que, se ouvirmos apenas uma única história sobre outra pessoa ou país, corremos o risco de cair em grandes mal-entendidos”. Vivemos um momento de mudanças radicais e extremamente rápidas. Quem se depara com mudanças inesperadas pela primeira vez, têm medo. O novo, gera medo. O diferente inspira medo. O que não conseguimos controlar, desenvolve medo dentro de nós. Tudo isto é normal, mas vamos nos permitir a nos sobrepor ao medo do desconhecido mais rapidamente. Porque vale a pena, temos muito mais a ganhar do que perder. A riquíssima história da humanidade é um bom exemplo disso.