A história de escrever este artigo surgiu de uma experiência pessoal. Quando nasci, ganhei de presente do meu padrinho de batismo um “livrinho de ouro” que tinha apenas o meu nome completo gravado na primeira página. Esse pequeno livro foi acompanhado de uma mensagem significativa transmitida pelos meus pais no início da minha adolescência: nas poucas páginas do livro eu deveria escolher o que “escreveria a ouro” durante a minha vida. As palavras, nomes ou mensagens escritas teriam que ter um valor excepcional e seriam memoráveis e permanentes.
Passaram-se muitos anos e, há poucos dias, ao organizar coisas na minha casa, deparei-me com o pequeno livro, e, claro, a reflexão sobre o que vale “ouro” na vida tomou uma atenção particular nas minhas meditações. E, desse objeto simbólico, partimos para a “nossa breve conversa”, que transitará entre reflexões sobre o ouro, o tempo, as escolhas e as satisfações do indivíduo, liderança e organizações.
Ouro vs. Tempo: Uma Distinção Fundamental
Desde tempos remotos, o ouro é um símbolo universal de riqueza e estabilidade. Sua escassez e beleza o tornaram uma reserva de valor global. Sabemos que a quantidade de ouro na crosta terrestre é finita e, embora novas reservas possam ser descobertas, há uma estimativa razoável de sua disponibilidade total. Sua história é de valorização, de reserva, de algo que pode ser acumulado e guardado.
O tempo, por outro lado, também é finito, mas de uma maneira radicalmente diferente: ele apenas flui, implacavelmente, e cada momento que passa é uma oportunidade perdida ou aproveitada, jamais recuperada.
Enquanto podemos estimar as reservas de ouro do planeta, não há como prever a quantidade de tempo que cada um de nós possui. Sua finitude é pessoal, intransferível e, acima de tudo, incerta. Essa distinção crucial ganha uma camada complexa com a superabundância de escolhas que a atualidade nos oferece, transformando a alocação e valorização do nosso recurso mais precioso em um desafio constante e, por vezes, paralisante.
O Orçamento Invisível: Por Que Ignoramos Nosso Recurso Mais Precioso?
No mundo corporativo, o conceito de orçamento é onipresente. Orçamos recursos financeiros, capital humano, matéria-prima e escopo de projetos. A gestão financeira é rigorosa, com demonstrações de fluxo de caixa, balanços e projeções que visam maximizar o retorno sobre o investimento. No entanto, quando se trata do tempo – o recurso sem o qual nenhum outro pode ser convertido em valor – a abordagem é frequentemente difusa, reativa e desprovida de um “orçamento do tempo” explícito.
Passamos o dia reagindo a e-mails, participando de reuniões ineficientes e apagando incêndios, sem uma alocação consciente e estratégica do nosso ativo mais valioso. A ausência de um “orçamento do tempo” claro, que defina onde e como esse recurso será investido, leva à dispersão, à sobrecarga e, em última instância, à baixa produtividade e ao esgotamento.
No mundo atual, temos que acrescentar a esse contexto a paradoxal “tirania das escolhas”: não é apenas uma questão de muitas oportunidades ou opções, mas de sobrecarga cognitiva e fadiga de decisão. A sobrecarga cognitiva ocorre quando a mente é inundada com informações e opções, dificultando o processamento e a tomada de decisões eficazes. A fadiga de decisão, por sua vez, é o esgotamento mental que advém de ter que fazer inúmeras escolhas, levando a decisões de menor qualidade ou à procrastinação.
Como aponta Greg McKeown em Essencialismo, se não priorizamos nossa vida e nossas agendas, alguém ou algo o fará por nós, preenchendo o vácuo com suas próprias urgências. Não se trata de fazer mais em menos tempo, mas de ter a disciplina sistemática de escolher o que realmente importa, o “pouco vital” entre o “muito trivial”. Essa disciplina sistemática é a aplicação prática do Princípio de Pareto, onde 20% das atividades geram 80% dos resultados, direcionando o foco para os poucos elementos que realmente impulsionam o valor. Isso se aplica à vida pessoal e aos negócios.
E aqui entra a profunda reflexão de Barry Schwartz em O Paradoxo da Escolha. Ele demonstra que ter mais opções nem sempre nos torna mais felizes ou mais satisfeitos. Pelo contrário, o excesso de escolha pode levar à paralisia (dificuldade em tomar qualquer decisão), à insatisfação (a constante dúvida sobre se a escolha feita foi a “melhor” possível, o que ele chama de “maximizadores” – indivíduos que buscam a opção absolutamente perfeita, em vez de uma “boa o suficiente”) e ao arrependimento (a lamentação pelas opções não escolhidas). Isso é particularmente crítico quando se trata de tempo. Cada escolha de dedicar tempo a algo significa renunciar a inúmeras outras possibilidades. Se cada “sim” carrega o peso de múltiplos “nãos” não ditos, a ansiedade da escolha pode nos imobilizar ou nos levar a uma dispersão generalizada.
Essa percepção foi um divisor de águas em minha busca por foco e construção de limites saudáveis, pois me permitiu entender que o esforço não linear nas pequenas e poucas coisas ordinárias bem feitas pode se traduzir em resultados exponenciais (e não estou falando apenas de resultados financeiros), como demonstram a Lei da Potência e o próprio Princípio de Pareto.
Nas organizações, o custo de oportunidade de um “sim” mal colocado é imenso, podendo desviar toda uma empresa de seu propósito central, consumindo recursos valiosos, desmotivando equipes e atrasando o alcance de metas estratégicas. A autogestão é crucial para que o líder não se torne um gargalo, mantendo sua própria energia e foco para lidar com a complexidade e a pressão, e servindo de modelo para a equipe. Ser líder, de um negócio ou da sua própria vida, exige decidir o que não fazer, mesmo que pareça uma boa opção.
Essa é a verdadeira lapidação da nossa “reserva de ouro” chamada tempo de vida, um processo contínuo de intencionalidade, construção de limites e enfrentamento de medos – muitos deles irreais, como o medo de perder oportunidades ou de desagradar – que se reflete na nossa capacidade de escolha e pode nos pôr à deriva da nossa própria existência.
Em última análise, tratar o tempo como nosso capital mais valioso significa fazer escolhas conscientes, deliberadas e, por vezes, difíceis. É essa jornada de autoconhecimento e de prática na construção refletida da nossa vida e organizações que nos permite, como profissionais e líderes, guiar outros e propagarmos nosso valor. Afinal, se não lapidarmos nossa própria “reserva de ouro”, como poderemos inspirar e capacitar outros a fazer o mesmo?
Se você ficou curioso ou curiosa, sim, tenho nomes e palavras que significaram muito na minha vida e cuidadosamente fazem, ou farão, parte das minhas páginas.
E você, o que escreveria nas páginas do “seu livrinho de ouro”?
Obrigada pelas reflexões