O jogo democrático mudou; é mais rápido, versátil e fluído, contrapondo-se ao modelo lerdo, formal e estático do século XX.
Na verdade, a mudança em si foi da sociedade, trazendo de arrasto suas instâncias de sustentação. Objetivamente, as pessoas não têm mais tempo nem paciência para retóricas abstratas que, dizendo muito, entregam pouco. Ou seja, a época dos discursos políticos eruditos acabou; a linguagem social, antes maleável ao charme do formalismo expressivo, se tornou vertical, simples e direta. Mais do que falar, a política deve fazer.
Em síntese: a democracia contemporânea exige respostas claras, ações concretas e efetivos resultados práticos.
Nesse contexto pragmático, o advento das redes sociais, associadas aos smartphones, fulminaram as fontes mornas, desinteressantes e unidirecionais da informação. Temos, atualmente, uma teia difusa e, não raro, confusa de circulação informacional que, despida de instâncias de validação factual, conduzem a um violento entrechoque de versões contrapostas.
As famigeradas “fake news” são um produto deste presente nervoso – e, às vezes, estupidamente dialético – que, arrogante ao bom senso, falsifica fatos em favor de subjetivas teses de empreitada, menosprezando o próprio desenvolvimento científico. O grave e preocupante é que, em um mundo com grave erosão da verdade, a insensatez pode acabar soando razoável, colocando por terra alguns conceitos básicos do mundo civilizado.
Em seu excelente “The People vs. Democracy”, a inteligência ascendente do Professor Yascha Mounk apresenta importante estudo sobre as disfunções e possibilidades das democracias contemporâneas, realçando que as pessoas – descrentes com as possibilidades do sistema atual – buscam amparo naquilo que chama de “strongman leader”. Por consequência, a tendência atual da democracia é valorizar personalismos que despontem com os signos – reais ou imaginários – da liderança.
Todavia, a febre personalista torna a democracia mais inorgânica, episódica e imprevisível. Em uma época de individualismos eleitorais, as incertezas, improbabilidades e os azarões com sorte serão constantes no tabuleiro político. Esqueçam, portanto, partidos e demais arranjos do atraso. Aliás, seguir investindo dinheiro público no fundo partidário é como querer inovação com velhos hábitos. Simplesmente, impossível.
Ora, ao invés de partidos, o futuro da democracia será feita por movimentos cívicos aleatórios que, movidos por pulsões sociais relevantes, unem pessoas em torno de pautas comuns para, inesperadamente, despertar novos interesses coletivos, em um ciclo cívico vivo e intercambiante de iniciativa tópica, mas de alto poder recorrente sobre paralelas questões democráticas fundamentais.
Neste ambiente político tenso e ansioso por mudanças, as anacrônicas instituições de governo vivem em permanente vulnerabilidade. Sem cortinas, as redes sociais deram voz à indignação das massas, outorgando aos cidadãos uma forma potente, célere e exponencial de arregimentação coletiva. Logo, a política que amanhece pode ser substancialmente outra ao adormecer. Mundo afora não faltam exemplos de que, em questão de instantes, a insatisfação virtual pode se transformar em força nas ruas, guiando o povo aos palácios do poder.
Aqui chegando, o futuro se apresenta: ou o sistema político aperfeiçoa urgentemente a responsividade governamental ou adentraremos em uma era de profunda instabilidade democrática, capitaneadas por uma cidadania ativa e pulsante que cansou de ser enganada por corruptos, corruptores e alguns canalhas de ocasião.