“Viveremos nos próximos anos um complexo e aguerrido debate sobre os limites da dominação econômica e as formas de incidência da legislação antitruste”
Diante de atuações excessivas e nebulosas do poder econômico, o presidente Roosevelt decidiu enfrentar os impérios empresariais de J. P. Morgan e John D. Rockefeller, buscando restaurar preceitos éticos do capitalismo, bem como restabelecer o dinamismo da livre concorrência no mercado americano. Durante praticamente 50 anos, as medidas antitrustes – escoradas no brilhantismo jurídico de Louis Brandeis – vicejaram absolutas nos EUA. Todavia, com a ascendência intelectual de Robert Bork e da Escola de Chicago, houve uma progressiva redução do âmbito de incidência da legislação antimonopolista, reduzindo sua aplicabilidade essencialmente a casos de má formação de preços ao consumidor.
A consequência do refluxo hermenêutico está posta na realidade: mais uma vez, o mundo vê o surgir de inimagináveis conglomerados empresariais, cujo poder e influência se sobrepõem inclusive a muitos Estados soberanos. Sem cortinas, a economia global passa um vertiginoso processo de carreamento de capital em prol de titãs tecnológicas; Apple, Amazon, Alphabet, Microsoft e Facebook são os atuais donos da festa. Deitados os fatos, a pergunta que se coloca é até onde a concentração econômica deve ser permitida; poderia o mercado ser subjugado a um único dono ou a um cartel oligopolista?
Em instigante e provocativo artigo no Wall Street Journal, sob o título “Competition Is for Losers”, a personalidade inovadora de Peter Thiel defendeu a ideia de que a finalidade última dos negócios seria “transcender a bruta luta diária pela sobrevivência”, atingindo uma hegemônica situação de “lucros monopolistas”.
Ora, se o capitalismo é um jogo, é natural que tenha vencedores a serem respeitados, admirados e merecedores da fortuna alcançada. Mas, quando já se sabe de antemão o final, é sinal de que o jogo acabou, indicando que uma nova rodada de crescimento precisa iniciar.
Analisando as atuais distorções do mercado, Jonathan Tepper e Denise Hearn em seu recente livro “The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition”, observam que os “verdadeiros capitalistas devem lembrar que monopólios e oligopólios entrincheirados não representam o triunfo do capitalismo de livre mercado, mas sim a sua corrupção”. Aliás, a dominação do mercado tem íntima relação com esquemas de desonestidade política, mediante estratégias de cooptação parlamentar para fins de legislação amigável e, também, sobre braços do governo executivo com vistas a evitar a repressão e o sancionamento de práticas anticompetitivas.
Outro aspecto relevante diz respeito ao direito de livre escolha do consumidor que, diante de uma mercado monopolizado, vê a plenitude de sua liberdade de opção excessivamente reduzida. Frisa-se, ainda, que a visão de que seria o efeito de preços o elemento determinante da ação antitruste é rasa e ingênua. Sabidamente, a fixação de preços predatórios, visando aniquilar a concorrência, é uma das fases preparatórias à dominação do mercado, criando uma cortina de fumaça de barateamento dos produtos para uma gradual eficácia letal sobre os demais competidores.
Por tudo, viveremos nos próximos anos um complexo e aguerrido debate sobre os limites da dominação econômica e as formas de incidência da legislação antitruste. Na questão de fundo, haverá uma discussão sobre a própria liberdade humana, pois a escravidão pode ser física, psicológica e, agora, tecnológica.
Entre as pulsantes possibilidades do presente, a vida já ensinou que ninguém ganha tudo e que ninguém ganha sempre, pois aquele que se pensa absoluto, antes de ser livre, não passa de um refém de si mesmo.
Sebastiao, parabéns pelo seu instigante artigo. Momentos interessantes estão por vir, e como diz o Harari, novas narrativas devem surgir. Well done!
Realmente. Aqui onde moro uma empresa italiana está comprando pequenas empresas de software e criando seu próprio monopólio. É como cercar um negócio e obrigá-lo a se render diante de players menores e menos masculinos para barrar esta entrada de fluxo predador estrangeiro.