O uso excessivo das redes sociais criou, na espécie humana, uma superficialidade que consome nossas relações e, sobretudo, nosso tempo interior. Tornamo-nos estranhos para nós mesmos, incapazes de ouvir o silêncio ou apenas contemplar a alegria de um momento sem a validação externa. Geramos, quase sem perceber, uma dor interna quase inexplicável, mas que somente a alma de cada um pode compreender.
Por que, em um mundo tão conectado, essa dor parece crescer ou, muitas vezes, se multiplicar? Por que nos sentimos invisíveis para nós mesmos, mesmo quando buscamos tanto ser vistos? Essa pergunta talvez seja o ponto de partida para entendermos um dos maiores paradoxos do nosso tempo: o uso abusivo das redes sociais.
O que antes era uma ferramenta para conexão se transformou em uma arena de exposição constante, onde nossas almas, aos poucos, acumulam uma dor profunda e invisível que dilacera mentes e vidas.
Vivemos em uma era em que o cotidiano se tornou um espetáculo digital. Fotos de momentos íntimos, almoços, viagens, aniversários e até mesmo situações de completa fragilidade pessoal são publicados como se o sentido da vida dependesse do reconhecimento alheio.
Mas o que acontece quando transformamos nossas memórias mais autênticas em performances para uma audiência invisível?
O ponto é que, ao compartilhar tudo, muitas vezes esvaziamos o significado da experiência, do sentir, do viver, do ser humano. Aquele dia especial, que poderia ser profundo, reparador ou motivador, torna-se uma moeda de troca por curtidas e elogios. Isso gera uma ansiedade profunda, alimenta a comparação ou competição constante e, paradoxalmente, nos afasta de quem realmente somos, aumentando a profundidade desse sofrimento.
Os exemplos dessa desconexão com a essência humana são vastos em nosso cotidiano:
- Pessoas que vão a shows e passam a maior parte do espetáculo fazendo fotos, selfies ou filmando, sem viver a própria experiência sensorial que desejava ao comprar o ingresso. E o que é mais estranho: essas imagens raramente são revisitadas, e a ocasião, em vez de ser vivida intensamente, torna-se apenas um arquivo digital perdido na memória de um dispositivo. É como se estivéssemos mais preocupados em provar que estivemos lá do que em realmente estar, sentir e viver.
- Pais que compartilham cada detalhe da vida de seus filhos nas redes sociais, desde o primeiro dia de aula até momentos constrangedores. Obviamente, uma exposição excessiva pode ter consequências negativas para as crianças no futuro. Será que elas vão agradecer a seus pais por terem suas vidas expostas ao mundo?
- Situações de emergência, como acidentes de trânsito ou desastres naturais, em que algumas pessoas preferem filmar o ocorrido para postar nas redes sociais em vez de oferecer ajuda ou prestar socorro. A exposição da tragédia se torna mais importante do que a solidariedade.
- Pessoas que arriscam a vida para tirar “selfies” em locais perigosos, como penhascos, pontes ou durante catástrofes naturais. A busca por uma foto impressionante pode levar a acidentes fatais. Temos diversos relatos, próximos ou distantes, de pessoas que morreram enquanto tentavam tirar “selfies” em situações de risco.
Esses comportamentos insensatos mostram como a busca por visibilidade pode nos levar a priorizar a aparência sobre a essência, a exposição sobre a vida real.
Quantas curtidas preenchem o vazio de uma alma desconectada de si mesma? E se a verdadeira felicidade não estivesse na tela, mas naquilo que nenhuma notificação pode alcançar?
A resposta para essa pergunta não está em números, mas na essência da própria felicidade. Curtidas são métricas artificiais, enquanto a felicidade é uma experiência genuína, que não pode ser quantificada.
A busca por validação digital criou a ilusão de que a aprovação externa pode preencher o vazio interno. Mas, se fosse assim, os perfis mais seguidos do mundo seriam os mais felizes – e sabemos que não é essa a realidade. Quantidade de curtidas não significa plenitude, apenas um eco passageiro de um potencial reconhecimento superficial.
Então, quantas curtidas precisamos para ser felizes? Nenhuma. O que precisamos, de fato, é desapegar da necessidade de validação e aprender a viver momentos que não precisam ser compartilhados para terem valor.
Por que seguimos tantas pessoas que não nos acrescentam nada? A resposta pode estar na busca incessante por pertencimento ou aceitação. Sentimo-nos conectados à medida que aumentamos nossa rede, mas essa conexão é superficial. O ato de seguir, na verdade, é um reflexo de um vazio que tentamos preencher com fragmentos da vida dos outros.
Quanto mais seguimos, mais nos distanciamos de nós mesmos. Esse ciclo nos faz perder de vista o que realmente importa. Estamos consumindo vidas editadas, comparando nossas realidades cruas a ilusões cuidadosamente construídas. A falta de autenticidade não está apenas nas redes, mas também dentro de nós, alimentando o vazio da alma que leva pessoas a se isolarem socialmente, gerando graves sintomas de depressão ou solidão.
Vivemos, claramente, uma epidemia de solidão:
- Seoul, na Coréia do Sul, por exemplo, acaba de anunciar que vai investir 327 milhões de dólares para combater o problema. A capital sul-coreana oferecerá apoio psicológico gratuito para todos os residentes, além de um serviço emergencial chamado “Adeus Solidão”. Em Seoul, as “mortes por solidão” têm crescido ano a ano, afetando principalmente homens na faixa dos 50 e 60 anos (The Korea Times, 2023).
- Japão enfrenta há anos a crise dos “hikikomori”, jovens que romperam vínculos e vivem isolados. Há 1,5 milhão deles, muitos vivendo no próprio quarto (Japan Times, 2023).
- Inglaterra criou o Ministério da Solidão, e nos EUA, 1 a cada 2 americanos alegam sofrer de isolamento social (NPR, 2024).
- A Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a solidão como prioridade global de saúde, com dados chocantes: 1 a cada 4 pessoas enfrentam solidão severa, e os mais afetados são os jovens entre 19 e 29 anos (OMS, 2023).
- No Brasil, uma pesquisa da IPSOS apontou que o país ocupou o 1º lugar entre os que mais sentem solidão após a pandemia (IPSOS, 2022).
Aliás, estar sozinho não é a mesma coisa que sentir solidão. Às vezes ficar sozinho é se reconectar e pode ser necessário. Pessoas sozinhas ficam na companhia dos próprios sentimentos e pensamentos é saudável no sentido de conhecer a si mesmo e se fortalecer em meio à sociedade frenética por padrões e que nos bombardeia de informações e exigências o tempo todo. Tomar esse fôlego é importante para o autoconhecimento e para encarar o nosso eu interior.
A solidão, entretanto, é a desconexão, a ausência de pertencimento para com o mundo e com os outros. Pessoas solitárias não conseguem sentir identificação com o meio e com quem está ao seu redor, causando isolamento e gerando angústia e sofrimento.
Muitos filósofos e pensadores sempre alertaram, historicamente, sobre os perigos de viver na superfície. Quando não há tempo para introspecção, perdemos a habilidade de questionar, de nos reconectar com nossos valores e de buscar aquilo que realmente nos realiza. O preço dessa desconexão é um vazio que nenhuma curtida ou seguidor pode preencher. A solidão, agravada pela superficialidade das redes sociais, é um sintoma dessa profunda doença da alma.
Curar esta dor exige coragem. Coragem para desconectar, para dizer não ao excesso de informação e para se reconectar ao essencial. Isso significa valorizar o silêncio, redescobrir a beleza do anonimato e encontrar sentido em experiências que não precisam ser compartilhadas com qualquer um.
Práticas como a contemplação, a leitura de um bom livro e o tempo dedicado à natureza podem ser ferramentas poderosas para reencontrarmos nossa essência. Resgatar a profundidade significa abandonar a superficialidade que as redes impõem e dar espaço para aquilo que realmente importa: a autocompreensão.
E se a cura para esta dor estiver em simplesmente aceitar que não precisamos ser vistos para sermos valiosos? Talvez a resposta para o vazio esteja em nos permitirmos ser invisíveis, pelo menos por um momento. Encontrar significado não é uma questão de exposição, mas de profundidade.
A dor da alma pode ser intensa, mas sua cura está na simplicidade do que é verdadeiro para cada um, individualmente. Cabe a cada um de nós decidir: continuaremos alimentando essa dor com distrações, ou buscaremos a paz que da autenticidade e da própria imperfeição humana?
Excelente reflexão Reges!! Parabéns!