Há 14 anos, atravessei vastos oceanos e cruzei as fronteiras do mundo em busca de uma nova oportunidade para minha vida na terra dos dragões e no berço dos Tigres Asiáticos, o que me levou a Hong Kong.
Hong Kong passou a ser a minha casa e o lugar onde minhas filhas cresceram. Estabeleci raízes e encontrei amigos que se tornariam minha nova família.
Nesta jornada descobri que Hong Kong não era somente uma cidade cosmopolita e berço de um dos maiores centros financeiros do mundo mas, também um território independente, com diferentes culturas e que recebia de braços abertos expatriados do mundo inteiro.
Seu povo, justo e guerreiro, sempre acolheu a todos com um senso de igualdade e mente aberta, proporcionando uma vida tranquila e segura para aqueles que decidiram lá viver e criar suas raízes.
Esse lugar lindo, com uma incrível história e com muita prosperidade, oferece em sua paisagem oportunidades de viver, tanto no buzz de sua parte cosmopolita como na sua incrível natureza que o fazem único e especial. Aprendi a respeitar e viver em sintonia com sua geografia.
Me encantei pelas várias ilhas e montanhas, as suas vilas e os contrastes de barcos de pesca e búfalos; entre tantas outras coisas que para nós brasileiros poderiam ser chamadas de pitorescas.
E junto com este lado mais lúdico, também me encantei com as escolas internacionais de avançada educação, construídas com a mais refinada tecnologia da auto sustentabilidade, proporcionando uma educação que objetiva o desenvolvimento de habilidades a serem utilizadas para além da vida acadêmica, em um cenário de uma nova era mundial a qual , definitivamente, eles estão inseridos e puxando.
Nesse contexto, muitas vezes me vi respondendo perguntas de meus amigos brasileiros sobre esta realidade. E , em um piscar de olhos, dizia: “ aqui temos o que há de mais moderno, as montanhas e o mar, uma vida equilibrada e saudável, aliados a muito progresso, tecnologia e evolução. Vivo no futuro.” Após alguns anos, depois da crise financeira, mudamos para o outro lado do rio, em terras sob o comando do novo governo de Pequim, sem nunca cortar laços com Hong Kong, e sempre visitando a cada mês os amigos e os lugares que marcaram nossa história. A pandemia chegou, e com ela vimos, pelos noticiários e pelos relatos de amigos e colegas que lá ficaram, a transformação desta terra querida.
Hong Kong, sendo transformada e impactada a ferro e fogo pelas novas políticas governamentais.
Isto tudo, somado a muitas coisas me fizeram, em junho de 2022 dar adeus ao poderoso Tigre Asiático. De fato, a situação tornou-se insustentável e, o racismo com não locais, tornou-se intolerável. Nossa família, assim como milhares de outros expatriados, acabou deixando para trás a poderosa China.
E até nisto tivemos emoção. Minha passagem era com layover em Hong Kong. Depois da pressão e opressão sofrida para sair do país com um check in que durou mais de 3 horas de burocracia e escrutínio de bagagens pelos oficiais, onde desfilavam pessoas vestidas com ‘hazard suits’, não só atendentes e fiscais, mas também, passageiros, prosseguimos em um voo de 40 minutos ao aeroporto de Hong Kong, com uma sensação de alívio e de quem iria, finalmente, pisar em terras conhecidas e seguras.
Ao desembarcarmos no aeroporto de Hong Kong, o choque foi brutal: uma sensação devastadora, assim como a realização do poder ali executado, sem piedade e sem o mínimo de humanidade. O aeroporto de Hong Kong encontrava-se abandonado. A impressão era que havia sido evacuado às pressas em meio a um desastre natural. Lojas fechadas com as prateleiras caídas e coisas esparramadas pelo chão. O exército Chinês encontrava-se ali patrulhando os corredores com cachorros treinados e havia só um local que vendia comida regional e água.
Pessoas falando baixo e, quando perguntávamos o que havia acontecido, os únicos que falavam, de forma temerosa a que fossem ouvidos, contavam que o aeroporto havia sido fechado e haviam dado aos comerciantes apenas uma hora para evacuar todas as mercadorias, sob a pressão de comandos do exército. Sem falar nos inúmeros passageiros que se encontravam nos corredores por mais de dois dias, impossibilitados de deixar a área de embarque. Um choque, uma tristeza, uma lógica que não parece fazer qualquer sentido no mundo contemporâneo em que vivemos…
Logo, lembrei-me de Renato Russo e sua música “Que país é esse?” . E penso que quando a escreveu jamais imaginou que seria uma das melhores descrições de um momento histórico que se passaria no século seguinte do outro lado do mundo.
Ao pisar em novas terras, Indonésia, dentro de um novo normal, onde fomos recebidos calorosamente, dei-me conta do abuso mental e social que havia vivido desde a pandemia. Ao continuar acompanhando de longe as notícias que me chegam dos poucos amigos que ainda estão querendo sair de lá, me pergunto, que mundo é esse e o que fizeram com esta realidade.
Uma lástima, sobre qualquer enfoque.