Em algum momento, o idealismo se perdeu; a política atual é essencialmente pragmática, faz cálculos com frieza e atua sem afetos.
O poder não possui espaço para culpas; seu exercício se dá de forma total. Aqui, o arrependimento pertence à moral dos fracos; os fortes simplesmente se impõem sem nada dever. Em tal onipotência passageira, muitos cruzam as linhas do possível, ficando vulneráveis a acontecimentos inesperados. No final, os poucos que autonomamente sobrevivem compreendem uma regra básica: ninguém pode tudo, ninguém pode sempre. Logo, arranjos complexos fazem parte da natureza de estratégias políticas vencedoras.
Acontece que complexidade não é sinônimo de ilicitude. Enquanto uma nova ordem não surge, as vísceras do grande negócio analógico do poder estão abertas.
A instrumentalização está por tudo; esparrama-se por quatro costados. As poucas ilhas de excelência e impessoalidade ficam isoladas pelo mar revolto, piratas e tubarões famintos. Para agravar a dor, o ambiente de canibalismo orçamentário impede qualquer iniciativa governamental inovadora, subjugando a República a uma série de anacrônicos interesses de próprio umbigo.
O quadro acima, embora trágico, abre o flanco para a crua compreensão do fenômeno político contemporâneo. Objetivamente, a política – mesmo decadente – é o maior negócio republicano, girando atualmente cifras trilionárias e contratos de bilhões. Nesse contexto, a luta pelo poder não deixa de ser uma busca de hegemonia econômica em seus ciclos de destruição criativa. Aí, surge aquela pergunta circular: o poder é de quem usa a caneta ou daqueles que compraram o tinteiro
No entreato da dúvida, os políticos, salvo exceções pontuais, são autênticos empregados do poder, cumprindo uma agenda de ordens pré-determinadas. Consequentemente, a face exposta é apenas uma cara bonitinha ou nem tanto assim, pois rostos doídos, sem maquiagem e cabelos desalinhados aproximam a política do povo. Pois é, imagino que o nobre leitor tenha lembrado de alguns personagens famosos; concordo que são bons atores, servindo a muitos papéis…
Mas, antes ali, falamos do povo, não é mesmo?
Sim, um dos maiores espetáculos da democracia é o carnaval eleitoral que, para ser divertido, precisa da participação e do voto popular. Para tanto, os diretores do teatro criam geralmente duas narrativas concomitantes: uma à esquerda e outra à direita. Em termos práticos, é mais fácil polarizar, jogar uns contra os outros e ver o circo pegar fogo. Todavia, sempre há o risco de alguém errar a mão para queimar alguns palhaços.
A turma dos bastidores sabe que o antagonismo gera apaixonada adesão política, mas não ignora que o extremismo irracional seja destruidor. Claro, tudo é pensado e planejado com perícia. Várias hipóteses são testadas. Então, ao final, como válvula de escape, há o recurso a uma atraente narrativa central, capaz de conquistar o coração da classe média, isolando o fervor dos cantos histriônicos.
Senhoras e senhores, o jogo de 2022 já está sendo jogado. Aqui chegando, convém lembrar que os negócios não podem parar e isso sempre é um elemento definidor. E, como alguns setores econômicos andam muito incomodados, é provável que tenhamos dias e noites instáveis pela frente. O futuro, embora planejável, traz consigo o viés da imprevisibilidade. Afinal, não há plano que resista à força dos acontecimentos.
Para entender o todo, é preciso ampliar o foco. E ao olharmos o horizonte do mundo, vemos o surgir de impressionantes players globais com massiva capilaridade e alto impacto nacional. Isso significa que os ultrapassados arranjos locais podem pouco frente ao dinamismo transnacional do poder digital. Nos primeiros raios de sol do amanhã, resta a firme certeza de que o agudo vácuo de liderança e compreensão da realidade poderá levar a humanidade para vales de retrocessos momentâneos até o estabelecimento de um novo sistema político-global hegemônico que permita o bom fluxo na curva de ascensão civilizatória.
Concordo integralmente, apenas colocaria nesta questão um pouco dos ensinamentos de Louis Althusser, que, retirando a ideologia marxista impregnada na obra “ Aparelhos ideológicos do Estado” contribui muito para essa reflexão posta.